49 comments on “O Mito do Português em Marrocos (L-Bartqiz)

  1. Fantastico! Não tenho mais palavras para descrever a riqueza dos conteúdos aqui relatados. Fui lendo em diagonal para mais tarde voltar e fui ficando até devorar todas as letras deste tema sobre o mito português, o que farei com os restantes. Parabéns ao autor, passou a ter mais um seguidor e fã.
    Sou apaixonado por Marrocos desde que la pus os pés em 1999 pela primeira vez. Desde então organizo expedições várias vezes por ano e sempre procurei saber um pouco mais da historia para além da beleza paisagística do pais que foi o que me cativou em primeiro. A sua abordagem e a compilação de informação que aqui nos oferece é uma fonte de prazer para quem como eu sempre quiz saber um pouco mais sobre a história de Portugal e de Marrocos.
    Obrigado.

  2. Li num outro website que havia muitas historias de portugueses em grutas e assim, mas que tinha havido definitivamente 3 aldeias portuguesas no interior de Marrocos… (atuais Errachidia, Ouarzazate e Goulmina). Portugal não se limitou apenas ao litoral… O melhor exemplo disso é Ouadane (Mauritânia). Construída/Ocupada pelos portugueses em 1487… Eu acredito mesmo no mito mas será que tal como Ouadane, seriam Ouarzazate , Goulmina e Errachidia seriam antigas localidades portuguesas?

    • Ouarzazate, Goulmina e Errachidia nunca foram localidades portuguesas, pode ter a certeza. Basta consultar as fontes históricas que o comprovam inequivocamente.
      Isso não quer dizer que não tenham existido grupos de renegados portugueses, convertidos ao Islão, que tenham vivido nesses e noutros locais, como por exemplo em Agourai, ao serviço do Estado Marroquino, como terá sucedido com muitos dos 16.000 cativos de Alcácer-Quibir. Mas isso é outra história…

      • ok, percebi… e a cidade de Ba Hallou, seria de facto portuguesa ou apenas parte do mito?
        e mais uma pergunta (peço desculpa pelo incómodo)… Por que razão é Madinat Al Gharbia omitida da lista de cidades ocupadas pelos portugueses na costa de Marrocos? Isso aconteceu entre 1513 e 1515 (ou 1521)

        • Convém esclarecer um aspecto que é determinante para entender o que significa “ser português” e esse conceito tem a ver com ser conquistado, ocupado ou administrado oficialmente pela Coroa Portuguesa, no quadro da política expansionista e da tentativa de conquista de Marrocos. Neste âmbito, Portugal apenas ocupou posições na costa de Marrocos, onde podia abastecer e socorrer as suas guarnições por via marítima. Portugal não ocupou uma única cidade no interior de Marrocos.
          Houve de facto casos de acordos ou relações de vassalagem com áreas no interior do território que se sujeitavam ao poder da Coroa Portuguesa pela força, pagando tributos, como foi o caso do chamado Protectorado da Duquela. É claro que existiram situações em que cavaleiros portugueses penetraram território dentro, em ataques para submeter populações, mas regressavam às suas bases após concretizarem os referidos acordos de vassalagem.
          Ba Hallou é um mito, não estudado, provavelmente referenciado a portugueses na perspectiva defendida por Salima Naji, mas não é de descartar a possibilidade de renegados terem aí um entreposto de tráfico de escravos.
          Quanto a Madinat Al Gharbia, não sei se se refere a Almedina, a Sul de Azamor, que foi de facto conquistada e destruída pelos portugueses em 1513, mas nunca foi ocupada pelos portugueses no sentido de aí manterem uma guarnição e administração. Um aspecto determinante para Portugal era o da racionalização de homens e de géneros, que limitava muito o esquema de ocupação do território, sendo sempre mais razoável concentrar forças em locais-chave e ter acordos com autoridades locais para dominar os locais mais dispersos e afastados das fontes de abastecimento.

          As correrias de Nuno Fernandes de Ataíde

          • Ok, então o senhor está plenamente convencido de que não houveram localidades ou torres “portuguesas” (mesmo, tal como o senhor explicou) no interior de Marrocos, tal como aconteceu com Ouadane? As grutas de Oualidia são verdadeiramente portguesas? (o que me pode contar sobre elas, não encontrei nada a falar disso na internet….) E outra pergunta… Li no mesmo website que sobre Ouarzazate e assim que os portugueses mantiveram um situamento (casa, feitoria, torre ou qualquer coisa) no Cabo Bojador… Será verdade (eu pergunto isto porque o website se baseia nesses tais mitos, e pode ser mais um)?
            Muito obrigado pela paciencia e pelas informações muito importantes…

            • Diga-me uma coisa:
              Acha lógico que os portugueses construíssem uma torre a 300 ou 400 km. da costa? Para quê? E quem lá ficava? E como era abastecido ou socorrido?
              As torres de vigia, ou atalaias eram construídas a 5 ou 10 Km das Praças-fortes, e apenas ocupadas durante o dia, para prevenir ataques contra as actividades agrícolas e outras que se desenvolviam no campo exterior:(https://historiasdeportugalemarrocos.com/2017/07/17/os-mazaganistas/)
              Quanto às feitorias, eram armazéns ou entrepostos comerciais, onde os portugueses compravam e vendiam produtos que eram embarcados para Portugal ou para outros destinos para voltarem a ser trocados. Em Marrocos, Portugal tinha uma feitoria em Meça (na foz do Rio Massa). Em Arguim, na Mauritânia, tinha outra para tráfico de escravos. Mais a Sul existiu a do Castelo da Mina e a de Axim. No Cabo Bojador não existiu nenhuma feitoria. Nada disto são mitos, mas situações bem reais e documentadas nas fontes históricas.

              • Tem razão. Mas construiram Ouadane e podiam ter construido mais (agora sei nao). E o que me pode dizer sobre as tais grutas em Oualidia?
                Mais uma vez obrigado…

              • Sobre as “Grutas dos Portugueses” em Oualidia apenas sei que se chamam assim e que os portugueses nunca ocuparam Oualidia

          • Achei qualquer coisinha sobre Ba Hallou… Foi supostamente construída em 1562 durante o reinado de D. Sebastião. Mas é muito pouca informação…

            • Qualquer coisinha? Significa uma referência credível? Ou uma especulação? É sempre bom divulgar a informação, para que ela seja isso mesmo _ informação_ e possa ser discutida.

  3. Descobri hoje este seu blog, os meus parabéns pelos artigos. De facto há 20 anos que me dedico a percorrer o país de norte a sul e tambem tenho feito imensa pesquisa sobre esta forte ligação histórica , cultural e patrimonial que os nossos povos partilham. Um dos locais que mais curiosidade me despertou foi a Gara Medouar, que conheço e estudo desde os anos noventa. Se me permite, uma correcção relativamente à Gara Medouar : segundo estudos recentes, é uma formação sedimentar do prediodo Cambrico-Devoniano, não se trata de cratera vulcânica. Muito obrigado por estes excelentes artigos. Rui Pires

    • Caro Rui
      Muito obrigado pelo seu comentário.
      Em relação à Gara de Medouar irei corrigir o artigo de acordo com a sua informação, mas se me adiantar mais alguma coisa, concretamente se tiver algum escrito seu sobre o assunto, incluirei a referência na bibliografia.
      Cumprimentos

      • Nas muitas vezes que estive no local falei com velhos trabalhadores de minas que existem nas redondezas e ouvi tantas histórias que resultam de heranças de gerações. Sem dúvida que a formação teve várias utilidades ao longo dos tempos, desde reservatório de água, entreposto das muitas caravanas da rota do sal e dos escravos, até como local de acampamento de tribos nómadas. Há uma velha lenda que refere ter havido um objecto que vibrava e emitia sons no centro da formação, mas é lenda. Eu presumo que a referência a prisão “Portuguesa” se deva a um pouco de tudo o que referiu no seu excelente artigo. Tanto ao comércio de escravos, como a provável presença de Portugueses que há época se acabaram por integrar de diversas formas na sociedade, após terem sido capturados nas muitas batalhas ou mesmo raptados, coisa habitual. Da rota dos escravos restam as tribos Bambara e Gnawa que habitam ali bem perto, originários do que agora chamamos Ghana. Não há muito tempo falei deste assunto com a Professora Eva Maria von Kemnitz, uma estudiosa destes assuntos, que me deu o contacto do Professor Francisco Freire, um investigador tambem destes assuntos. Confesso que ainda não tive tempo de o contactar, mas vou fazê-lo.

        Cumprimentos

  4. Pingback: O Mito do Português em Marrocos (L-Bartqiz) | Alexandra Vidal

  5. Gostei do artigo, o tema é muito importante e deveria ser mais estudado, aliás muito mais do que a influência moura em Portugal. No entanto, queria dizer que, segundo sei, as “Mouras encantadas” ou “Amouras encantadas” como se diz na Galiza não tem nada a ver com mouros, penso que se trata apenas de uma coincidência léxica. As “Mouras encantadas” são entidades mágicas guardiãs do mundo subterrâneo, mulheres místicas louras ou ruivas cuja lenda é muito mais antigas do que as invasões mouras e tem raízes Europeias. Aliás curiosamente, esses mitos são do norte e da Galiza onde, a bem dizer, a influência e a presença moura é, a bem dizer, nula.

    • Os mitos são isso mesmo _ mitos. São “verdades” que se tornam verdades sem o serem, porque constituem uma forma colectiva de explicar determinados factos, muitas vezes associando-os a outros. No caso de Marrocos existe uma tendência para atribuir aos portugueses determinadas situações, como de resto em Portugal existe essa mesma tendência em relação aos mouros. O senso comum facilmente encontra explicações naquilo ou naqueles que não entende.
      O exemplo da lenda de Aicha Kandicha é típico, já que segundo os estudiosos, se trata de uma deusa da a fenícia antiga, “recuperada” como uma sedutora condessa portuguesa que personifica o mito da mulher emancipada e dominadora. O facto de ser portuguesa prende-se com um certo mistério que envolve a presença portuguesa em Marrocos, suficientemente distante para se encontrar liberta da rigidez das provas factuais, mas suficientemente próxima para subsistir na transmissão oral

  6. Ora, também para os portugueses, no caso particular, os algarvios, evocam considerações semelhantes sobre os mouros. Lembro-me perfeitamente dos algarvios das aldeias da serra e do barrocal, situadas nas imediações da rocha da Pena (Loulé), atribuírem os supostos “buracos”, que avistavam nesse maciço calcário, a construção dos mouros. Tais lendas inserem-se, como já referiste para o caso das princesas encantadas, no imaginário popular, e este não difere assim tanto entre os povos em apreço, de um e outro lado do mar. Saúde.
    Francisco Castelo.

    • É um tema interessantíssimo, o dos mitos. Explicam muito facilmente aquilo que é inexplicável…É verdade que no caso de Portugal e Marrocos existe uma tendência comum de atribuir ao outro a tal explicação para o mistério. Não tenho dúvida que por detrás dessa tendência existe muita curiosidade, incompreensão, desconhecimento, mas também um grande fascínio de parte a parte. É a tal história comum feita de encontros e desencontros, de semelhanças e contrastes, de amores e ódios. Saúde

    • Obrigado pelo seu comentário e um grande abraço também. De facto, uma das melhores formas de aprender é escrevendo…

  7. Artigo muito interessante e que responde a uma questão que havia já colocado a mim mesmo. Como é que poderia haver vestigios de pontes portuguesas em locais onde a nossa presença não estava referenciada? Afinal parece que os sonhos de glória, riqueza e fama em África de muitos dos nossos patricios antepassados acabaram por se traduzir em labuta na construção de pontes.

    Tive a oportunidade de falar sobre este assunto com alguns amigos marroquinos interessados também sobre estes temas que me referiram que era vulgar no passado os prisioneiros comprarem a sua liberdade com trabalho, isto caso o resgate não chegasse da metropole. Acredito por isso ser muito plausivel o que indica. Depois de tantos anos passados sobre esse passado conflituoso e ultrapassado, resta-me afinal agradecer aos marroquinos que deram crédito e valor ao que construimos perpetuando o nome de Portugal associado a estas pontes ao invès do que observamos no nosso país em que as obras foram invariavelmente mandadas construir por este ou aquele rei, deixando incognitos os verdadeiros construtores…

    Obrigado por todos estes temas que apresenta e que me tem ajudado a descobrir as marcas de um Portugal que aqui deixamos em Marrocos

    Cumprimentos e Bem Haja
    Pedro Finisterra
    MDIQ

    • Este mito do Bartqiz tem muito a ver com o facto de Portugal ter sido o país com maior relacionamento com Marrocos nos tempos mais recuados da nossa história comum. O número de cativos portugueses que terá passado pelas prisões marroquinas terá sido enorme, não só pelos inúmeros recontros armados ocorridos em solo de Marrocos, com evidente relevância para a Batalha de Alcácer-Quibir, como pelos constantes raptos e aprisionamentos realizados pela chamada guerra do corso. Um tema que julgo que seria muito interessante desenvolver, apesar de me parecer que não existem muitas fontes sobre o assunto, é o dos chamados renegados, prisioneiros ou não, que se “passaram para o outro lado”, voluntariamente ou de forma forçada para garantir a sua sobrevivência…
      Cumprimentos

      • A propósito do seu último comentário, tive acesso a “Entre a Cristandade e o Islão (séculos XV-XVII), Cativos e Renegados nas franjas de duas Sociedades em Confronto”, de Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, publicado pelo Instituto de Estudios Ceuties da Cidade Autónoma de Ceuta 1998, em lingua portuguesa, que, entre outros o tema que refere. Sem dúvida um tema fascinante, o de como alguns dos nossos antepassados, de forma individualizada, e por um processo de cafrealização deixaram as marcas neste país. Ainda recentemente, por ocasião dos importantes danos causados pelas cheias principalmennte a sul do Atlas, a proposito das cerca de1000 pontes destruídas pelas chuvas e cheias, me lembrei do seu artigo sobre as pontes dos portugueses…

        Bem Haja pelos seus sempre interessantes artigos
        Pedro Finisterra
        MDIQ

        • Esses processos de cafrealização que refere são sem dúvida interessantíssimos e muito pouco estudados e documentados, mas devem ter ocorrido em grande número. Não só por uma questão de sobrevivência, por exemplo de cativos, mas também dos degredados que eram deixados nas praias onde as naus aportavam, com o objectivo de virem a fundar pontos de apoio à navegação ou eram enviados para um primeiro contacto com os habitantes locais para recolher informações, mas também por uma questão de integração voluntária nas sociedades indígenas, por razões tão distintas como a busca do poder e riqueza, da justiça, da liberdade, do amor, do sentido da vida…
          Um abraço

  8. nas cascatas de ouzud,a norte de ourazazate,existem tambem umas grutas,que eles -os berberes de marrocos,dizem ter sido dos portugueses–penso que nao-serao sim de povos pre-historicos,tais como o povo guane?,que existia nas canarias,quando nos portugueses la chegamos–nota–chegamos as canarias antes dos espanhois–segundo investiguei.em tratados de historia de portugal–o mercenario GERALDO-O SEM PAVOR-E SEUS 300 CAVALEIROS,FORAM DEGOLADOS,EM MARROCOS

    • A referência a grutas dos portugueses é comum um pouco por todo Marrocos. Aliás, para muitos marroquinos, grutas habitadas são sinónimo de portugueses, extendendo-se essa ideia à própria autoria de pinturas rupestres. É evidente que nada disso é real, mas também é verdade que faz parte do “mito L-Bartqiz”. Apenas por curiosidade, refiro que a civilização que antecedeu a chegada dos Berberes a Marrocos se chamava “Ibero-maurusienne”, e dominou o país há 20.000-10.000 anos, tendo habitado em grutas, como por exemplo revelam vestígios encontrados nas grutas de Jorf Lasfar. No entanto, não parece que o termo “Ibero” esteja na origem do mito, já que este tem uma base fundamentalmente popular. Aliás para muita gente em Marrocos, de origem mais humilde, o “Bartqiz” é um conceito mal definido, desconhecido, antigo, misterioso, inclusivamente dissociado do actual país Portugal.
      Quanto a Giraldo, o Guerrando dos marroquinos, foi de facto decapitado por traição quando se encontrava no Souss ao serviço de Yaqub Al-Mansur com a missão de pacificar a tribo dos Sanhaja. Os seus companheiros, ao que parece, foram poupados e dispersos por várias aldeias.
      https://historiasdeportugalemarrocos.wordpress.com/2014/03/15/giraldo/

  9. Salam, fiquei super interessada em saber onde fica esta tal aldeia, que mencionas?
    “No Vale do Draa, junto a Zagora, existem ruínas de uma aldeia “de portugueses”, regularmente visitada como tal por grupos de turistas. Seriam os restícios do bando de Guerrando, o famoso Giraldo Sem Pavor quando foi desterrado para a região de Taroudant”
    Sabes o nome? Eu, numa das minha idas vi foi uma montanha perto de Agdz que os locais chamavam a Montanha dos Portugueses , mas nunca ouvi falar da aldeia “de portugueses. Em Outubro vou até ao deserto e vou ficar uma noite em Zagora. Gostava de passar por lá

  10. Meu primo APM lembrou outra história relacionada com o Mito do Português em Marrocos (L-Bartqiz, palavra do dialeto árabe marroquino, que significa ‘português’):
    Escapou ao Autor o caso do Major Vidal (finais do séc. XVII) que, nos finais dos anos ’70, tinha (não sei se ainda tem) uma rua em Casablanca, perpendicular à avenida principal, Mohammedia.
    Este Major Vidal foi um aventureiro que, após a Restauração, decidiu ir para Marrocos, recuperar as praças portuguesas.
    Reuniu cerca de 700 aventureiros de toda a parte – e zarpou, desembarcando próximo do que é hoje Casablanca.
    Foi derrotado, como é bem de ver, mas o feito perpetuou-se no imaginário marroquino que, ainda então, o consideravam um herói nacional.
    Uma última coisa: os marroquinos, em geral, odeiam os espanhóis, mas consideram os portugueses seus parentes próximos – e os vizinhos mais estimados.
    =====
    E acrescento que outro primo, UNIVERSIDADE de COIMBRA ,ADF ,comentou que segundo o Google, a rua Major Vidal, em Casablanca, existe.E foi este meu primo que colocou no FB o seu estudo, O Mito do Português em Marrocos (L-Bartqiz) e por isso encontrei este interessante trabalho que passei para os correspondentes no Brasil.Parabéns por suas publicações , neste blog e no AVENTAR!

    • Um comentário intrigante e que desperta curiosidade sem dúvida. De facto essa referência ao tal Major Vidal já me tinha surgido num comentário num blog sobre um artigo sobre Marrocos e o seu autor (provavelmente o seu primo) diz o seguinte:
      “Sabia que Alcácer Quibir não foi a última aventura militar portuguesa em terras marroquinas. Por lá andou, no final do sec. XVII, um tal Major Vidal com um punhado de aventureiros loucos. Desembarcaram perto de Casablanca para reconquistar as praças fortes marroquinas. Foram esmagados. Mas o episódio ainda hoje vive no imaginário culto de Marrocos, de tal modo que o homem está consagrado numa das ruas que cruza a Av. Mohammedia, em Casablanca. Por cá, ninguém o conhece.”
      De resto nunca encontrei em nenhuma fonte qualquer referência ao tal Major Vidal ou à sua suposta incursão para reconquistar as praças de Marrocos. De qualquer forma direi o seguinte:
      Após o ano de 1550 Portugal já só detinha na costa de Marrocos as praças de Ceuta, Tânger e Mazagão, porque abandonou todas as outras (excepto Santa Cruz, conquistada pelos Xerifes em 1541) por falta de capacidade para as gerir. Após a restauração da independência em 1640, a soberania de Portugal em Marrocos ficou reduzida a Tânger e Mazagão, já que Ceuta nunca aceitou voltar para o domínio português. Não existe nesse período nenhuma referência a qualquer intenção de reconquistar as praças de Marrocos, antes pelo contrário, já que Tânger seria oferecida à Inglaterra em 1662.
      Não tenho dúvidas de que, se existiu de facto um desembarque de aventureiros portugueses em Casablanca na segunda metade do século XVII, não foi com certeza para reconquistar as praças de Marrocos, nem tão pouco teve origem em qualquer iniciativa oficial da coroa portuguesa. No entanto, seria muito interessante conhecer as fontes nas quais o seu primo se baseou para fazer tal afirmação, já que poderão trazer a público factos não divulgados.
      Quanto à Rua Major Vidal em Casablanca, existiu de facto, era também conhecida pelo nome “Rue Pilote Major Vidal”, mas actualmente chama-se Rue Mohamed Kamal. Fica no Bairro Horloge, por detrás do “Marché Central”, e é paralela ao Boulevard Mohamed V. Também de acordo com o que consegui apurar, esse Major Vidal foi piloto de navios no porto de Casablanca durante o protectorado fancês, tendo morrido em 1935 durante uma tentativa de salvamento de marinheiros espanhóis, como relata a revista “L’Afrique du Nord Illustrée”:
      “O barco de salvamento do porto “Maréchal Lyautey” foi imediatamente alertado. O piloto major Vidal não hesitou um minuto diante das ondas em fúria. Subindo a bordo dirigiu o barco em direcção aos marinheiros espanhóis que lutavam desesperadamente contra a corrente que os arrastava para o largo. Os marinheiros do “Maréchal Lyautey” conseguiam salvar três homens. Mas subitamente uma enorme vaga levantou o barco, colocou-o sobre o flanco e virou-o completamente.”
      Obrigado pelo seu comentário

      • O Caso do Major Vidal
        Meu primo A Pahinha Machado confirmou que se tinha correspondido anteriormente com o autor deste blogue , comentando : “A história do desembarque no séc. XVII foi-me contada, em 1978, por um comerciante com loja aberta na Rue Major Vidal.
        Intrigou-me o nome da rua e andei por ali e por acolá a perguntar qual a origem. Só o comerciante afirmou conhecer a história.
        O comentário a que Frederico Mendes Paula faz referência é, de facto, meu”.
        Abraço
        APM

        • Pelo que consegui apurar, de facto parece que o tal Major Vidal não era português. Estas histórias passam de “boca em boca” e acabam por se tornar quase verdadeiras, pelo menos no imaginário de muita gente. Mas não tenhamos dúvidas que esta nossa história comum está cheia de episódios anónimos e desconhecidos que seria interessantíssimo virem a lume…

          • Continuando o assunto do mito do português em Marrocos, pergunto ao amigo Frederico se tem alguma referência aos judeus portugueses em Marrocos, onde estiveram desde as conquistas portuguesas, chegando a formar comunidades autorizadas nas cidades de Safim e de Azamor.
            Tiveram um papel fundamental, nomeadamente no plano económico, para a sobrevivência das praças que Portugal deteve na costa de Marrocos, mas também nas trocas comerciais e nas relações diplomáticas que se foram traçando entre os dois lados do Estreito de Gibraltar.
            A presença de judeus e conversos ibéricos em Marrocos, e de judeus marroquinos na Península Ibérica, permitiu a sobrevivência multifacetada da identidade judaica. Em Marrocos, continuaram a esmerar-se numa cultura e num pensamento sócio-religioso com raízes peninsulares.
            E embora a presença concreta de Portugal em Marrocos tenha sido débil a partir da data acima referida, séculos de convivência ali e, outrora, na Península Ibérica, fizeram com que no século XIX, fossem os judeus marroquinos entre os primeiros a regressar a Portugal, ocupando um “espaço” sócio-cultural e económico similar, e dando início á moderna comunidade judaica portuguesa.
            A Genealogia Hebraica: Portugal e Gibraltar sécs. XVII a XX de Abecassis,José Maria ,Liv. Ferin [distrib.], 1990-1991 5v. confirma um “legado” de peso do mito português em Marrocos.Está lá e está cá?
            Essas famílias que passaram por Marrocos e que estão em Portugal, foram muitos. Cito :
            Abeasis/Abecassis, Absidid, Abensur, Abitbol, Aboab, Abohbot, Abudarham, Acris, Aderhi, Aflalo, Alkaim, Amar, Amram, Amselem, Amzalak, Anahory, Asayol, Askenazi, Assayag, Athias, Auday, Astruel, Azencot, Azulos, Azulan, Balensi, Banon, Baquis, Barchilon, Baruel, Belilo, Benabu, Benady, Benaim, Benamor, Benarus, Benatar, Benbunan, Benchetrit, Benchimol, Bendahan, Bendelak, Bendran, Benelicha, Beneluz, Benhayon, Beniso, Benitah, Benjamin, Benjo, Benmergui, Benmiyara, Benmuyal, Benoalid, Benoliel, Benrimoj, Benros, Bensabat, Bensadon, Bensaloha, Bensaude, Benselum, Bensheton, Bensimon, Bensliman, Bensusan, Bentata, Bentubo, Benudis, Benyuli, Benyunes, Benzacar, Benzaquen, Benzecry, Benzimra, Berdugo, bergel, Bohudana, Brigham, Buzaglo, Bytton, Cagi, Cardoso, Carseni, Castel, Cazes, Cohen, Conqui, Coriat, Cubi, Danan, Davis, Delmar, Elmaleh, Esaguy, Esnaty, Frache, Ferares, Finsi, Foinquinos, Fresco, Gabay, Gabizon, Hadida, Hatchuel, Israel, Kadosh, Labos, Laredo, Lasry, Levy, Lengui, Malca, Maman, Marques, Marrache, Martins, Massias, Matana, Megueres, Melul, Moreira, Mor-Jose, Nahon, Namias, Nathan, Obadia, Ohana, Oliveira, Pacificio, Pallache, Pariente, Pimenta, Pinto, Querub, Sabath, Salama, Sananes, Saragga, Schokron, Sebag, Sequerra, Serfaty, Seriqui, Serrafe, Seruya, Sicsu, Tangi, Tapiero, Taregano, Taurel, Tobelem, Toledano, Tuati, Tedesqui, Uziel, Varicas, Wahnon, Waknin, Zaffrani, Zagury.

            • É um tema inesgotável, que não “cabe” num comentário e existem de facto inúmeras referências às comunidades judias nas praças de Marrocos.

            • Moreira não é. (A)Moreira e Oliveira são apelidos Galaico-Portugueses e bem antigos como a terminação eiro/eira comprova.
              Curiosamente, destes todos não são usados nem meia-dúzia.

  11. Você meu amigo é o historiador que mais admiro. Sempre trazendo novas histórias da velha história. Que Deus te ilumine mais e mais em sua busca incessante.

    Abraços.

    Edumonteiro.

    • Caro Eduardo
      Não sou historiador, sou apenas um curioso com fascínio pela História. Gosto de escrever, principalmente porque aprendo. E tenho gosto em transmitir o que vou aprendendo através destas pequenas histórias.
      Um abraço

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