Departamento de Sociologia
O valor económico e social da informação
no quadro da sociedade em rede
José Carlos Moura Moreno
Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação
Orientador:
Doutor Gustavo Alberto Guerreio Seabra Leitão Cardoso,
Professor Associado com Agregação do ISCTE-IUL
Junho, 2014
Resumo
Nesta dissertação pretendemos analisar o valor económico e social da informação no quadro da sociedade em rede. Pretendemos investigar as transformações operadas no modo de
distribuir socialmente a informação na sequência da adopção massiva das tecnologias de
informação e comunicação digitais e as consequências que essas alterações poderão ter
operado no valor social e económico da informação. A hipótese que colocamos é que a sociedade em rede, entendida como o resultado das diversas apropriações sociais das tecnologias de informação e comunicação digitais, diminui o valor económico da informação e
aumenta o seu valor social. Analisaremos primeiro os dados empíricos de carácter económico relativos às empresas que produzem e distribuem informação e depois olharemos para a
forma como a informação é distribuída e disseminada socialmente com recurso às novas
tecnologias de informação e comunicação digitais. Pretendemos analisar de que forma evoluiu o valor económico da informação nos últimos anos – usando dados nacionais, internacionais e um estudo de caso – e como é que a actual abundância de informação afecta a forma como a utilizamos socialmente – olhando para respectiva disseminação nas redes sociais online. Deste estudo concluímos que o modelo de negócio dos mass media está esgotado e não pode ser recuperado no quadro da sociedade em rede e que o modelo do negócio
dos “novos media” da sociedade em rede só pode subsistir a uma escala global e implica
uma redução do valor económico da informação.
Palavras-chave: sociedade em rede, informação, valor económico, valor social, mass media, novos media, modelos de negócio
Abstract
In this thesis, our aim is to analyze the economic and social value of information in the context of the network society. We will investigate the changes taking place in the way information is socially distributed following the massive adoption of the new digital information
and communication technologies and the way those changes may affect the economic and
social value of information. The hypothesis we investigate is that the network society, i.e. the
social appropriations of the digital information and communication technologies, decreases
the economic value of information and increases its social value. We will first analyze empiric
economic data relative to the companies that distribute information and then we will look at
the way information is distributed and disseminated in the social context with the new digital
information and communication technologies. We aim to study how the economic value of
information evolved in the last 10 years – using national data, international data and a case
study – and how the current information abundance affect the way we use it on the social
level – looking at its dissemination in online social networks. We will conclude that the business model of the mass media is worn out and cannot be recovered in the context of the
network society and that the business model of the new media of the network society can
only work on a global scale and implies a reduction of the economic value of information.
Keywords: network society, information, economic value, social value, mass media, new
media, business models
NOTA: Este trabalho foi escrito de acordo com a grafia antiga
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
2.1.
Sociedade em rede
2.2.
Do analógico ao digital
2.3.
Mass media vs. “novos media”
2.4.
Dados, informação e conhecimento
2.5.
O valor da informação
2.6.
O valor económico da informação
2.7.
O valor social da informação
3. HIPÓTESES E METODOLOGIA
4. O VALOR ECONÓMICO DA INFORMAÇÃO – ANÁLISE DE DADOS
4.1.
Situação geral dos media
4.2.
O estudo de caso “Autohoje”
5. O VALOR SOCIAL DA INFORMAÇÃO – ESTUDOS EMPÍRICOS
6. CONCLUSÃO
7. BIBLIOGRAFIA
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 4.1 – CPM Médio por tipo de site (Abril 2010)
Quadro 4.2 – Cálculo do RMPU para 4 “novos media” (2013)
Quadro 4.3 – Rendimento médio por utilizador (2013)
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 4.1 – Principais fontes de notícias nos E.U.A. (1991-2012)
Figura 4.2 – Variação anual das audiências nos E.U.A. (2011-2012)
Figura 4.3 – Receitas de publicidade em jornais, de 1950 a 2013, nos E.U.A.
Figura 4.4 – Receita publicitárias nos E.U.A. entre 2003 e 2013
Figura 4.5 – Repartição do investimento publicitário nos E.U.A. (2005-2013)
Figura 4.6 – Repartição do investimento publicitário (2004-2013, 1ºsemestre)
Figura 4.7 – Vendas em banca 2012-2013
Figura 4.8 – Visitas ao website Autohoje 2010-2013
Figura 4.9 – Receitas Autohoje 2010-2013
1. INTRODUÇÃO
A emergência da sociedade em rede provocou e está a provocar transformações profundas nas arquitecturas sociais e no modo como nos relacionamos socialmente. Ums dessas transformações afecta a forma como a informação é distribuída socialmente. De uma
sociedade em que os mass media desempenhavam o papel principal na disseminação de
informação socialmente relevante, passámos para uma sociedade em rede na qual há novos agentes e novas formas de distribuir informação. O objectivo desta dissertação é analisar essas transformações segundo duas perspectivas. Primeiro, do ponto de vista económico, analisando a forma como os modelos de negócio dos mass media tradicionais se deterioraram na transição para a sociedade em rede. E, em segundo lugar, do ponto de vista social, analisando de que forma as transformações em curso afectam a forma como usamos a
informação para nos relacionarmos socialmente.
A hipótese que colocamos é que a actual deterioração dos modelos de negócios dos
mass media tradicionais, não resulta de acções ou omissões próprias mas antes de uma
redução do valor económico da informação em consequência das transformações em curso.
E, por outro lado, colocamos também em hipótese que as mesmas características da sociedade em rede que explicam a redução do valor económico da informação, implicam também
um incremento do seu valor social, seja pela abundância de informação seja pelas possibilidades que as novas tecnologias digitais abrem à respectiva utilização.
Na primeira parte desta dissertação faremos uma revisão de literatura tendo por referência as principais áreas temáticas abordadas: a sociedade em rede, o valor económico da
informação e o valor social da informação. Depois detalharemos as hipóteses em estudo e a
metodologia adoptada. Na terceira parte analisaremos em detalhe os dados de evolução
das receitas dos media analógicos e digitais, primeiro com dados globais e depois com o
estudo de caso da revista Autohoje, procurando fazer uma análise do geral para o específico. Na quarta e parte olharemos para estudos empíricos que têm sido feitos sobre a participação em redes sociais online e como isso incrementa o capital social dos indivíduos.
Este não é um estudo empírico; este é um estudo teórico que usa dados empíricos. O
objectivo não é produzir novos dados empíricos nem produzir conhecimento a partir de novos dados empíricos. O objectivo é produzir conhecimentos a partir do relacionamento de
conceitos e variáveis previamente existentes, combinando-os com a análise de dados empíricos já compilados.
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
A revisão da bibliografia referente ao assunto que nos propomos estudar nesta dissertação tem a dupla função de servir de enquadramento teórico do tema e de definição de
conceitos relevantes para o mesmo. Começaremos por fazer uma análise do que se entende por sociedade em rede e que transformações ela implica aos vários níveis que interessam a este trabalho. Depois analisaremos alguns contributos teóricos sobre a vertente económica da distribuição de informação no novo contexto mediático e por fim olharemos para
a forma como tem sido tratada a vertente do valor social da informação no quadro da sociedade em rede.
2.1.
Sociedade em rede
A sociedade em rede em que hoje vivemos é o resultado da adopção e apropriação
social de um conjunto de novas tecnologias de informação e comunicação que se desenvolveram nos últimos 50 anos. A forma como esse conjunto de tecnologias foi integrado nos
processos sociais e adoptados pelos indivíduos no contexto social mudou profundamente –
e ainda está a mudar – a forma como comunicamos uns com os outros e o tipo de arquitecturas sociais que com essas novas tecnologias construímos.
O resultado final dessas transformações não é simplesmente uma decorrência da tecnologia, mas antes da interdependência entre as novas tecnologias de comunicação e informação, os modelos económicos dos media e as apropriações sociais que os indivíduos
fazem dessas mesmas tecnologias (Cardoso, 2006:119). Dito de outra forma: as tecnologias
não são em si mesmas um elemento determinante, mas abrem um leque de possibilidades
de apropriação, tanto ao nível individual como ao nível social, que condicionam a utilização
das tecnologias mas também são condicionadas por elas (Benkler, 2006:17)
Manuel Castells foi o primeiro teórico a usar o conceito de “sociedade em rede” e a
enquadrá-lo nas transformações globais a que estamos a assistir, num conjunto de obras
abrangente, com ênfase no volume “The Rise of the Network Society” (Castells, 2011). Para
Castells a sociedade em rede surge no contexto da passagem de um paradigma social em
que o domínio da energia era o factor decisivo – o industrialismo – para um novo paradigma,
em que o factor decisivo é o domínio da informação – o informacionalismo (Castells, 2011;
Castells, 2004; Cardoso, 2006).
Para Castells, a sociedade em rede em que vivemos é uma arquitectura particular da
sociedade na qual a estrutura social é alimentada pelas tecnologias de informação e comu-
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nicação digitais, através de computadores ligados em rede (Castells, 2004:3). A sociedade
em rede está organizada em nós – indivíduos ou instituições – sendo que é através dos fluxos de informação entre os vários nós que os indivíduos e instituições estabelecem e organizam os seus vários relacionamentos sociais (Castells, 2004:3; Castells, 2009:20). Daí a
importância que as alterações nas tecnologias de informação e comunicação podem ter na
forma como os indivíduos e instituições se relacionam no contexto social e portanto nas arquitecturas sociais que constroem.
O traço distintivo da organização social em rede, por oposição à organização social
vertical e hierárquica, é que a rede não tem um centro e portanto não pode ser centralmente
comandada. Para Castells, três factores imputáveis às redes de comunicação e informação
digitais explicam porque razão elas vieram a constituir um novo paradigma de comunicação:
em primeiro lugar essas redes têm uma capacidade historicamente inédita de processamento de informação, tanto em termos de volume como de complexidade e velocidade e são
capazes de se auto-expandirem; em segundo lugar têm uma capacidade também inédita de
combinação e recombinação da informação, pelo facto de usarem tecnologias digitais; e, em
terceiro lugar, as modernas redes de comunicação e informação são marcadas pela flexibilidade que permitem incutir nos processos de comunicação e distribuição de informação,
mais uma vez devido à sua composição digital. (Castells, 2004, 9-11). Para Castells, as redes de comunicação e informação digitais são globais e portanto tendem a ser também globais as estruturas sociais que se baseiam nos seus fluxos (Castells, 2004, 22). No entanto,
o mundo de existência social da maioria dos indivíduos está confinado a fronteiras locais,
regionais e nacionais. Do choque entre estas duas lógicas resulta, segundo Castells, uma
fragmentação que é mais do que apenas o resultado do processo de transição entre dois
modos muito diferentes de organizar a experiência social: essa fragmentação das estruturas
sociais existentes é um elemento estrutural da sociedade em rede (Castells, 2004, 23). Isso,
como veremos mais à frente, aplica-se ao modo como a distribuição social de informação
está a ser afectada por essas tecnologias e vai ao encontro das teses defendidas neste trabalho: a fragmentação que afecta os modelos de negócios dos media tradicionais – entendidos como uma forma de institucionalizar socialmente a distribuição de informação – não
resulta apenas de uma fase de transição e adaptação; é um elemento estrutural do novo
paradigma de comunicação da sociedade em rede.
O mesmo raciocínio pode ser deduzido da problemática do valor no quadro da sociedade em rede. Para Castells, numa sociedade capitalista é quem detém o poder que decide
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o que tem ou não tem valor (Castells, 2004, 25). Ora, com as arquitecturas em rede de alcance global, a sociedade em rede altera as condições de criação de valor e coloca todas as
entidades sociais que não podem ter um alcance global em desvantagem face àquelas que
o podem ter. Isto, mais uma vez, tem implicações práticas óbvias para os meios de comunicação social tradicionais, quase sempre constituídos e operados numa lógica nacional e não
global. Esses media estão por isso em desvantagem face aos “novos media” da sociedade
em rede, como veremos mais à frente.
Para Manuel Castells, as tecnologias de informação e comunicação da sociedade em
rede têm por efeito diluir a distinção tradicional entre meios de comunicação de massa e
meios de comunicação interpessoal, criando um novo modo de comunicação a que ele
chamou auto-comunicação de massas, ou “mass self-communication” no original (Castells,
2011; 2009). É comunicação de massas porque o seu alcance é potencialmente global. Mas
ao mesmo tempo é pessoal porque é individualmente produzida, consumida e distribuída,
beneficiando da convergência e da flexibilidade permitidas pelas tecnologias digitais de informação e comunicação e pelas respectivas ferramentas.
Uma das razões que contribui para isso é o efeito combinado da capacidade de computação abundantemente distribuída e da sua articulação em rede. Combinando múltiplos
computadores, dos mais diversos tipos, ligados em rede, os recursos que permitem articular
e gerir a informação e comunicação tendem a estar alojados na própria rede. E esta converte-se portanto, ela própria, no sistema social de processamento da informação (Castells,
2011:52).
Por fim, Castells identifica cinco elementos que compõem as fundações materiais da
sociedade em rede: em primeiro lugar, a informação é a respectiva matéria-prima. As tecnologias de informação e comunicação anteriores geravam informação que agia sobre a tecnologia. Agora, pelo contrário, estamos perante tecnologias que agem sobre a informação
(Castells, 2011:70). Em segundo lugar, como a informação faz parte de toda a actividade
humana em sociedade, as tecnologias de informação e comunicação estão presentes em
todas as facetas da vida em sociedade. Em terceiro lugar, qualquer utilização destas tecnologias entra numa lógica de rede. O que significa que essa lógica acaba por se implementar,
mais uma vez, em todos os sectores e em todas as facetas da vida social. Em quarto lugar,
as novas tecnologias de informação e comunicação permitem uma flexibilidade quase total
sobre as condições de utilização da informação e de efectivação da comunicação. E, em
quinto lugar, estas tecnologias tendem a fazer convergir os vários formatos de mensagem
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num único sistema englobador, tanto ao nível da produção como da distribuição e manipulação da informação (Castells, 2011:72).
Outro sociólogo que abordou a sociedade em rede e as suas características foi Jan
van Dijk, nomeadamente no seu volume “The Network Society” (2006). Para van Dijk, a sociedade em rede é o novo sistema nervoso central da sociedade e corresponde a uma formação social na qual as infra-estruturas sociais e informativas, com uma arquitectura em
rede, constituem o modo principal como a sociedade se organiza aos níveis individual, grupal/organizacional e societal (van Dijk, 2006:20). Por oposição, na sociedade de massas que
a antecedeu, a infra-estrutura era constituída por grupos, organizações e comunidades (as
“massas”) e era isso que condicionava a organização social a todos os níveis (individual,
grupal/organizacional e societal). Ou seja, a unidade básica determinante do funcionamento
social deixou de ser o grupo social alargado - as massas - e passou a ser a própria rede
(van Dijk, 2006:20), o que é concordante com a visão de Castells. De uma sociedade de
massas em que a organização social se fundava primordialmente em grupos de diferentes
tamanhos e diferentes filiações (famílias alargadas, cidades, nações, empresas, exércitos,
governos), com alta conectividade e densidade, e com centros de poder bem determinados
(van Dijk, 2006:33-34), passámos a uma sociedade predominantemente individualizada, na
qual a experiência social dos indivíduos é simultaneamente global e local e transcende os
grupos em que se filiam, com um conjunto alargado de laços sociais que são mais fracos
mas mais extensos que os tradicionais (van Dijk, 2006:35-36). Tal como em Castells, encontramos aqui a fragmentação das unidades sociais tradicionais (família, cidades, estados,
nações, empresas, etc) como um efeito transformador da sociedade em rede. Por outro lado, encontramos também referência ao carácter diluidor dos marcadores tradicionais de
espaço e tempo que as tecnologias de informação e comunicação digital introduzem, assim
como ao carácter mais influente dos laços sociais fracos. No quadro de análise da sociedade em rede introduzido por van Dijk, podemos entender os mass media tradicionais como
uma das unidades sociais cuja função é desconstruída – fragmentada – pela emergência
das modernas tecnologias de informação e comunicação digitais.
Para van Dijk, os avanços da micro-electrónica, a digitalização e computorização da
comunicação (van Dijk, 2006:44), conjugados com a oferta de ligações de banda larga e
consequentes transferências massivas de dados (van Dijk, 2006: 49-51) constituem as fundações tecnológicas da sociedade em rede. Beneficiando de um efeito convergente, a inter-
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net integra as comunicações de dados e as comunicações pessoais ou de massas (van Dijk,
2006:54) e coloca toda essa “matéria informativa” sob o comando dos computadores.
A terceira grande narrativa sobre as características da sociedade em rede foi-nos trazida por Yochai Benkler ao longo de várias obras mas sobretudo do seu “The Wealth of
Networks”. Como o próprio Benkler refere, comparativamente com a abordagem de Castells
e embora concordando com ela, a sua perspectiva sobre a sociedade em rede coloca a ênfase no papel relativo desempenhado pelos sectores comercial e não comercial da produção, distribuição e consumo de informação, conhecimento e cultura no quadro das transformações em curso (Benkler, 2006:18). De certa forma, responde assim a questões que Castells e van Dijk tinham deixado em aberto.
Yochai Benkler considera, primeiro, que a forma como organizamos socialmente a
produção e distribuição de informação, conhecimento e cultura influencia a forma como as
nossas sociedades funcionam (Benkler, 2006:1); e, segundo, que as condições materiais e
económicas dessa produção e distribuição na sociedade em rede se alteraram radicalmente,
no sentido de dar mais relevância à partilha e troca social como modo fazer essa produção
(Benkler, 2006:92). Ou seja, as novas tecnologias de informação e comunicação digitais são
não só uma ameaça aos agentes dominantes do modo anterior de produção social de informação, conhecimento e cultura – os mass media – como também uma oportunidade para
novas formas de produção social de informação, cultura e conhecimento resultantes da acção individual das pessoas ou de sistemas fluídos de colaboração entre elas (Benkler,
2006:2). Para Benkler, aquilo que é novidade na época em que vivemos é, por um lado, a
mudança de paradigma na distribuição social de informação – entramos naquilo a que ele
chama a “networked information economy” (Benkler, 2006:32) – e, por outro lado, o facto de
essa mudança abrir a faculdade de produção de informação, conhecimento e cultura à generalidade da população. Antes, as barreiras técnicas à produção de informação implicavam
que a mesma tivesse que ser distribuída através canais “proprietários” e baseados na lei do
mercado – os mass media. Com a diluição dessas barreiras técnicas, o sector “não proprietário” e não sujeito às regras do mercado tende a florescer como fonte de produção e distribuição de informação, conhecimento e cultura (Benkler, 2006:4). Uma pesquisa no motor de
busca da Google, por exemplo, produz uma resposta, um “bem informativo” que é, segundo
Benkler, o efeito coordenado de um conjunto de acções não coordenadas de uma panóplia
muito diversa de agentes sociais, individuais e colectivos, com interesses comerciais ou sem
eles (Benkler, 2006:33). O efeito é coordenado, porque a Google preparou o seu algoritmo
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para responder de determinada a forma a determinadas solicitações. Mas resulta de um
conjunto de acções não coordenadas porque a construção desse resultado é função de um
conjunto de comportamentos de pesquisa e navegação de que os utilizadores não combinaram entre si.
Para Benkler, a sociedade em rede incrementa as possibilidades de participação dos
indivíduos de três formas diferentes: primeiro incrementa a sua capacidade individual para
produzir informação, conhecimento e cultura; em segundo lugar, incrementa a sua capacidade para fazer essa produção em comunidade com outros indivíduos e fora dos modelos
tradicionais de organização social e económica; e, em terceiro lugar, incrementa igualmente
a sua capacidade para produzir informação em organizações formais fora da esfera do mercado (Benkler, 2006: 8). Para Benkler, isto corresponde a uma forma de descentralização de
capital, uma vez que uma parte da estrutura de capital associada à produção de informação,
conhecimento e cultura passa a estar sob controlo dos utilizadores (Benkler, 2006:30).
Da leitura deste três autores, podemos concluir, em síntese, que a sociedade em rede
mediada por computadores engloba duas componentes organizativas que são indissociáveis
e se conjugam para produzir os efeitos observados: a arquitectura em rede, por um lado, e o
facto de ela estar associada à mediação por computadores. A mediação através de computadores é um factor decisivo, que resulta em grande parte da migração das tecnologias analógicas para as tecnologias digitais. Este factor, por ser decisivo, será detalhado se seguida.
2.2.
Do analógico ao digital
A arquitectura em rede que sustenta a actual internet e a distribuição social de infor-
mação que sobre ela fazemos não seria possível sem a mediação dos computadores. E isso
obriga-nos a olhar para a migração do analógico para o digital como um elemento central
nas transformações tecnológicas que estamos a estudar. Para Castells, a passagem do
analógico para o digital é o substrato tecnológico sobre o qual se sedimentam todos os outros desenvolvimentos ao nível da computação, microelectrónica e telecomunicações (Castells, 2011:70). E é isso que está na base da evolução registada nas tecnologias de informação e comunicação nos últimos 50 anos. Van Dijk, por seu lado, também considera que a
migração do analógico para o digital é o facto decisivo que torna a comunicação de dados e
computorização os dois elementos dominantes das infra-estruturas de comunicação da sociedade em rede (Van Dijk, 2006: 44).
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A codificação digital dos dados que sustentam a informação envolve duas dimensões
essenciais que explicam a sua prevalência. Em primeiro lugar a codificação digital é numérica e submete-se por isso às regras do cálculo matemático pelas quais se regem os computadores. Em segundo lugar, a linguagem digital é binária. Composta pela conjugação complexa de sequências (“strings”) de “zeros” e “uns”, a linguagem digital funciona numa lógica
“on-off”, “yes-no” ou “true-false”. Ou seja, a linguagem digital não admite meio-termo e é por
essa razão que se adequa ao funcionamento das máquinas de calcular sofisticadas que
hoje conhecemos pelo nome de computadores. Os sinais binários que compõem o código
digital constituem o DNA da informação digital (Negroponte, 1995:14; Castells, 2011:54). Um
código digital pode sempre ser decomposto e recomposto nas suas unidades constitutivas
básicas em qualquer máquina que seja capaz de o manipular, ou seja, em qualquer computador. Comparativamente, uma informação codificada numa linguagem analógica fica sempre limitada aos condicionalismos físicos do suporte que a sustenta.
A digitalização é portanto o processo pelo qual a informação, seja ela veiculada por
texto, som ou imagem, fixa ou em movimento, é convertida na linguagem binária usada pelos computadores (Hamelink, 1997). Há dois movimentos tendentes à digitalização que decorrem em simultâneo: por um lado a criação de novos conteúdos informativos em formato
digital e, por outro, a digitalização dos conteúdos informativos previamente existentes e
constituintes da nossa memória colectiva registada.
Nicholas Negroponte atribui quatro qualidades essenciais às tecnologias digitais com
impactos ao nível dos respectivos usos e apropriações sociais: são descentralizadoras; globalizadoras, harmonizadoras e “empoderadoras” (“empowering”, no original; Negroponte,
1995: 229-231). Castells considera que a revolução informacional em curso tenderá a ser
mais impactante do que a invenção da imprensa, porque estabelece um circuito de feedback que tende a difundir cada vez mais as tecnologias pelos utilizadores (Castells,
2011:30-31) e Manovich salienta que, ao contrário das transformações informativas anteriores, a comunicação digital mediada por computador afecta todas as fases da comunicação e
todos os tipos de media (Manovich, 2001:43). Reunindo os contributos dos vários autores
estudados nesta revisão bibliográfica, é possível isolar cinco efeitos principais das novas
tecnologias de comunicação e informação digitais sobre o modo como a informação é produzida, distribuída e consumida socialmente.
O primeiro desses efeitos é a convergência e refere-se ao facto de os aparelhos para
a produção e recepção de informação digital serem capazes de reproduzir igualmente todo o
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tipo de conteúdos - texto, áudio e imagem, estática ou em movimento – a partir do momento
que sejam digitais. A perspectiva subjacente de se poder expandir facilmente o tipo de conteúdos informativos fornecidos levou muitos meios de comunicação tradicionais a juntarem
áudio ao texto ou vídeo ao áudio ou texto ao vídeo na sua informação distribuída ela internet. Hoje em dia esse processo ainda está em curso e é comum vermos mass media tradicionalmente associados ao texto impresso a enveredarem igualmente pelo vídeo, por exemplo. Para os mass media tradicionais, por um lado, este alargamento do tipo de conteúdos
que é possível oferecer abre novas oportunidades de negócio, mas, por outro ameaça o seu
actual modelo de negócio (Negroponte, 1995: 18; Van Kamm e Bordewijk, 2003:582). Ou
seja, se por um lado a convergência pode ser entendida como um processo “de cima para
baixo”, em que os mass media incorporam na sua produção informativa os vários tipos de
mensagem que antes estavam separados, por outro lado, a mesma convergência pode
também ser vista como um processo “de baixo para cima” à medida que os indivíduos
aprendem a usar e dominar estas tecnologias. Os dois processos ocorrem em simultâneo e
condicionam-se mutuamente (Jenkins, 2006: 18).
O segundo efeito das tecnologias digitais prende-se com os meta-dados, uma camada
adicional de dados que caracteriza e contextualiza a informação e que não existiam nos
meios analógicos (Van Dijk, 2006:45). Estes “bits acerca de bits”, como lhes chama Negroponte (1995:18), são justamente o plano em que operam os computadores, seriando, manipulando e concatenando os dados relativos à produção, distribuição e consumo de informação, tanto no plano individual como colectivo. É a partir da recolha dos meta-dados associados à comunicação que os computadores aplicam os algoritmos com que manipulam a informação para a adequar às necessidades do utilizador. Por outro lado, ligados em rede, os
computadores e servidores podem comunicar uns com os outros e partilhar tanto a informação como os meta-dados e a forma de agir sobre eles, consumando aquilo que Castells
chamou de “computação ubíqua” (Castells, 2001:51).
A terceira grande transformação resultante da passagem do analógico para o digital é
a interactividade da comunicação. Segundo Van Dijk, os media digitais, por serem digitais,
são mais interactivos que os media analógicos a três níveis: ao nível do espaço, porque
permitem uma comunicação bilateral ou multilateral independentemente do local físico onde
estejam os sujeitos; ao nível do tempo, uma vez que uma comunicação digital pode ser diferida ou instantânea; e ao nível comportamental porque na era digital e com as ferramentas
de comunicação disponíveis, o emissor e o receptor podem trocar de papéis a qualquer
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momento (Van Dijk, 2006:8). Bordewijk e van Kamm, por seu lado, construíram uma matriz
de interactividade da comunicação, com quatro quadrantes, de interactividade crescente
(alocução, registo, consulta e conversação), concluindo que os media digitais “empurram” o
tipo de comunicação predominante para os níveis de maior interactividade (Van Kamm e
Bordewijk, 2003:580). Negroponte, por fim, também salienta que nos mass media a informação é fundamentalmente “pushed” (“empurrada”) pelos media, enquanto que no modo digital
ela tende sobretudo a ser “pulled” (“puxada”) pelos utilizadores dentro dos seus próprios
parâmetros de tempo, espaço e contextos de utilização. E isso, naturalmente, corresponde a
um maior controlo dos indivíduos sobre o processo de comunicação (Negroponte, 1995:168170). Castells caracterizou este fenómeno como um “space of flows” e um “timeless time”. O
primeiro resulta do facto de o espaço informacional não ser já o espaço físico mas sim o
espaço virtual dos fluxos de informação e o segundo resulta da circunstância de a informação poder ser fruída e usada no momento em que os indivíduos o acharem mais conveniente. No conjunto, este dois aspectos constituem aquilo que Castells considera “os alicerces
materiais da nova cultura” da era digital (Castells, 2011:406).
O quarto factor distintivo do código digital face ao código analógico prende-se com a
sua flexibilidade. O facto de o código digital poder ser decomposto nas suas unidades básicas significa que pode ser recomposto ou recombinado em qualquer outro computador que
esteja em contacto com o primeiro, por exemplo, numa arquitectura em rede. E isto tem duas consequências importantes: primeiro, facilita enormemente a reprodução e partilha, dando origem ao carácter viral de muitas informações; e, segundo, torna o remix ou recombinação de partes do código digital tão fácil como a sua produção ou reprodução. Ambas as mudanças– a facilidade de reproduzir e de recombinar informações – resultam da desmaterialização da informação associada à passagem de um paradigma analógico para um paradigma digital. A capacidade de produzir, redistribuir e recombinar informações é aquilo que
transforma os anteriores consumidores de informação também em seus produtores, uma
nova categoria de sujeito do processo comunicativo e informativo a que Axel Bruns deu o
nome de “produser” (Bruns, 2007) e a que Ritzer e Jurgenson chamaram “prosumer”, usando um termo original de Alvin Toffler (Ritzer & Jurgenson, 2010).
A quinta e última grande transformação operada pelo código digital sobre a forma como produzimos, distribuímos e consumimos informação resulta do alcance global das tecnologias digitais quando combinadas com a ligação em rede dos computadores. Obviamente,
a globalização não é uma decorrência das tecnologias de informação e comunicação digi-
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tais. Mas as tecnologias de comunicação e informação digitais – por serem digitais – aceleram esse processo de um modo que não é muitas vezes notado ou devidamente salientado
(Cardoso, 2006:113). Isso resulta, uma vez mais, do facto de um código digital manipulado
por um computador ficar imediatamente disponível, em idênticas condições, em qualquer
outro computador que entre em contacto com o primeiro, esteja ele onde estiver e seja qual
for a língua ou cultura em causa. Porque ambos os computadores funcionam segundo princípios matemáticos e ambos usam a mesma linguagem digital e binária. Para Negroponte, o
código digital é uma espécie de “língua franca” de bits (1995:63) que permite remover os
limites da geografia (1996:165).
2.3.
Mass media vs. “novos media”
As alterações trazidas pela sociedade em rede e as transformações decorrentes da
migração do digital para o analógico introduziram mudanças profundas na paisagem mediática na maioria dos países desenvolvidos. Na sociedade de massas anterior à sociedade em
rede de que fala Van Dijk (2006:20), os mass media desempenhavam um papel central da
forma de distribuir informação pelo corpo social. Esse papel começou a ser desempenhado
com a invenção da imprensa em 1453 e, embora com alterações ao longo do tempo, permaneceu notavelmente estável até ao advento da internet (Benkler, 2006:29). Quer estejamos a falar de uma pequena gazeta o século XIX, de circulação muito restrita, de uma
emissão de rádio do início do século XX ou de uma televisão global como a CNN, o paradigma informativo é sempre o mesmo: uma transmissão “de um para muitos”, com carácter
unidireccional, controlada por quem a emite.
Neste âmbito, Gustavo Cardoso considera que um paradigma de informação e comunicação é constituído pela interdependência entre a tecnologia, os media e os modelos de
funcionamento económico. E que, portanto, a alteração radical de um destes factores provoca a alteração do paradigma (Cardoso, 2006:16). O que altera verdadeiramente o paradigma de informação dos mass media é a comunicação em rede mediada por computadores
(Castells, 2009:24). Por quatro razões: 1) mistura os papéis de produtor e consumidor de
informação e desse modo institui a bidireccionalidade como essência do sistema; 2) cria
uma arquitectura em rede que potencia que a comunicação possa ser a todo o momento de
um para um, de um para muitos ou de muitos para um; 3) dá a cada indivíduo (ou a cada nó
da rede) um poder acrescido sobre o funcionamento da rede, uma vez que não faz a comunicação depender de nenhum outro indivíduo (ou nó) em particular; e 4) institui um ambiente
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em que a informação é abundante, por oposição ao ambiente anterior, em que era escassa
(Anderson, 2006).
Para Van Dijk é a presença simultânea de integração, interactividade e codificação digital que permite distinguir os novos media dos media tradicionais (Van Dijk, 2006:9). Uma
emissão televisiva clássica, por exemplo, é integrada porque inclui imagens, som e texto,
mas não é interactiva nem digital. Uma chamada telefónica clássica, pelo contrário, é interactiva, mas não é integrada nem digital. Com a migração do analógico para o digital, uma
emissão de televisão passou a poder ser interactiva e uma ligação telefónica passou a poder integrar texto e vídeo. Ou seja, a interactividade e o carácter multimédia são dois dos
traços distintivos dos “novos media” (Cardoso, 2006:123).
As alterações no paradigma de informação e comunicação na sociedade em rede e as
correspondentes mudanças no modelo de funcionamento dos mass media provocaram uma
erosão dos seus modelos de negócio tradicionais. Mas, simultaneamente, esse mesmo paradigma de comunicação e informação potenciou o surgimento de um novo tipo de empresas com uma posição diferente na cadeia social de informação e que parecem estar a prosperar economicamente. Estas são as empresas a que neste trabalho chamamos “novos
media” por oposição aos mass media tradicionais.
Empresas como Google, Facebook, Twitter ou YouTube são certamente muito diferentes entre si, mas partilham algumas características que, por oposição aos mass media tradicionais, são comuns a todas elas. Em primeiro lugar todas elas são empresas que actuam a
uma escala global por oposição à escala local, nacional ou regional em que normalmente
actuam os media tradicionais (Cardoso, 2006:113). Em segundo lugar são empresas que
distribuem informação em vez de produzi-la. São plataformas de pesquisa, partilha e gestão
de informação mas não produzem a informação que pesquisam, partilham ou gerem. A informação é gerada pelos utilizadores. Tendo em conta as transformações enunciadas acima, decorrentes da emergência da sociedade em rede e da migração para o digtal, estas
são empresas cujo serviço é uma decorrência directa do novo paradigma de informação e
comunicação na era da internet. Ou seja, é por estarem adaptadas às novas condições de
exercício da função de distribuição social de informação que essas empresas prosperam.
Os novos media da sociedade em rede têm um alcance global porque as ferramentas que
propõem podem ser usadas por qualquer pessoa em qualquer local como instrumentos para
servirem as suas próprias necessidades de informação e comunicação, independentemente
da língua ou da cultura (Castells, 2009:96). No quadro da sociedade de comunicações de
11
massas que referimos anteriormente, os mass media desempenhavam uma determinada
função social para a qual os seus processos e a sua estrutura se adequavam. No quadro da
sociedade em rede mediada por computadores, os “novos media” têm uma função social
diferente para qual igualmente os seus processos e a sua estrutura se adequam. Os “novos
media” não existem, como os media tradicionais, para produzir e transmitir conteúdos; eles
existem para proporcionar aos utilizadores as ferramentas para produzirem e distribuírem os
seus próprios conteúdos. Têm portanto uma função social diferente no quadro da sociedade
em rede, que decorre do facto de a internet e as suas ferramentas propiciarem o “empowerment” dos indivídiduos como produtores de informação para além de seus consumidores
(Cardoso, 2006:133). Além disso, na posse dessas ferramentas, os indivíduos são capazes
de participar na configuração da própria rede (Castells, 2004), influenciando não só a sua
própria acção como também o funcionamento das plataformas dos “novos media” da sociedade em rede. Aliás, este aspecto é muitas vezes esquecido: estas plataformas, embora
economicamente apropriadas por empresas privadas, são elas próprias uma construção
social, ainda mais do que os mass media, uma vez que dependem dos conteúdos e de participação dos indivíduos para o seu funcionamento.
Para Manuel Castells existe uma relação directa entre o “poder da partilha” e a “partilha do poder” na era da informação (Castells, 2004). E isso significa que o “empowerment”
dos indivíduos é não só individual como colectivo e significa também que os “novos media”
de que temos vindo a falar têm menos poder sobre os indivíduos, individual e colectivamente considerados, do que os mass media que os antecederam. No mesmo sentido, Benkler
considera que está a acontecer uma massiva redistribuição de poder e dinheiro dos mass
media para os indivíduos, por um lado, e para as empresas que produzem as ferramentas e
plataformas que lhes permitem operar na nova realidade comunicativa e informativa em que
vivem (Benkler, 2006:23).
Em suma, a função social dos media mudou e é isso que explica a mutação da paisagem mediática. De uma sociedade de massas na qual os mass media desempenhavam o
papel fundamental na distribuição de informação socialmente relevante, passámos a uma
sociedade em rede mediada por computadores na qual as plataformas de participação dos
indivíduos têm o papel principal na distribuição social de informação socialmente relevante.
No novo paradigma de informação e comunicação na sociedade em rede, os intermediários – os “gatekeepers” e “newsmakers” da era dos mass media (Wolf, 1999) – deixam de
ter uma função social tão relevante. Pelo contrário, são os novos media – como a Google, o
12
Facebook, o Twitter ou o YouTube – que passam a ter maior relevância social, uma vez que
estão a desempenhar a função social que a sociedade em rede lhes atribuiu.
2.4.
Dados, informação e conhecimento
As transformações que estão a ocorrer na sociedade em rede mediada por computa-
dores afectam os dados que são produzidos, a informação que é transmitida e o conhecimento acumulado pelos indivíduos e pela sociedade. Impõe-se por isso olhar mais em detalhe para esses conceitos e as suas interligações no quadro da sociedade em rede. Uma das
regularidades que se podem detectar na análise teórica que tem sido feita aos conceitos de
dados, informação e conhecimento é o facto de frequentemente se confundir (e ser difícil
discernir) entre o primeiro e o segundo e entre o segundo e o terceiro (Zins, 2007; Boisot e
Canals, 2004). Por outro lado, embora o conceito de “dados” seja sempre entendido como
objectivo, o conceito de informação é em muitos casos entendido como subjectivo, ou seja,
construído apenas dentro da capacidade cognitiva do indíviduo e apenas observável externamente mediante o seu testemunho. O conceito de “conhecimento”, por seu lado, é sempre
entendido como inteiramente subjectivo e portanto não observável directamente (Zins,
2007). No seu estudo sobre esta matéria, Zins conclui que os dados são aquilo que constitui
ou possibilita a informação e as informações são aquilo que constitui ou possibilita o conhecimento (Zins, 2007; Jones, 2010). Dessa relação de progressão entre os três conceitos,
Clampitt deriva o modelo D-I-K-A, de “Data-Information-Knowledge-Action” (Clampitt, 2010,
122). Nesse modelo, “data” é aquilo que alimenta a informação, informação é aquilo que
alimenta o conhecimento e conhecimento é aquilo que sustenta a acção. Ou seja: os processos comunicativos são feitos de dados objectivos que, uma vez interpretados por um
sujeito, se transformam numa informação. Na posse de várias informações e fontes de informação, cada indivíduo decide que acções tomar no contexto social.
Van Dijk propõe uma abordagem semelhante com a sua “pirâmide de processamento
da informação” (van Dijk, 2006: 202-203): o processamento de informação na era das tecnologias de informação e comunicação digitais começa por manipular bits e bytes ao nível da
digitalização, passa por dados agrupados e manipulados pelos computadores, transformase em informação quando se torna inteligível para um humano e produz conhecimento
quando correlaciona as diversas informações entre si. As novas tecnologias de que temos
vindo a falar têm impacto em todas as fases do processo, mas são mais determinantes na
base da pirâmide do que no seu topo. Ou seja, as tecnologia digitais de informação e comu-
13
nicação são especialmente eficazes no processamento de bits e bytes, na manipulação de
dados e na produção e distribuição de informação do que na produção de conhecimento ou
de sabedoria. Mas são – no contexto digital de uma sociedade inundada em fluxos de dados
e informação – a matéria de que é feito o conhecimento.
A informação é algo imanente a todas as relações sociais, cuja substância se materializa na troca de informação entre os indivíduos e entre estes e a sociedade. Este mecanismo
é importante para percebermos que os usos individuais das novas tecnologias de informação e comunicação são por um lado delimitados pelos usos e costumes sociais e por outro
influenciam a mudança desses próprios usos e costumes (Fuchs, 2003).
Manuel Castells também considera que os processos sociais são sempre baseados no
conhecimento e no processamento de informação. Para ele, usando definições clássicas da
sociologia, o conhecimento é “um conjunto organizado de factos e ideias” e a informação é
“um conjunto de dados que foram organizados e são comunicados” (Castells, 2010: 17). Ou
seja, existe aqui também implícita uma progressão de complexidade e significação que vai
dos dados para a informação e desta para o conhecimento.
No contexto da sociedade em rede mediada por computadores e da migração do analógico para o digital, os dados que sustentam a distribuição social de informação são cada
vez mais os dados digitais alojados em computadores e servidores (Hilbert e López, 2011).
A forma como esses dados são tratados e manipulados pelos computadores é uma das
transformações mais impactantes que estamos a atravessar, uma vez que esse tratamento
informático permite registar, catalogar, combinar e recombinar os dados de múltiplas formas
– incluindo os meta-dados referidos atrás. Por outro lado, a forma como os dados gerados e
geridos pelas máquinas aparecem aos indivíduos é o que os converte em informação. A
informação envolve portanto uma interpretação subjectiva individual, mas é igualmente afectada pelas características dos dados digitais, nomeadamente a respectiva abundância, convergência e flexibilidade. Ou seja, a informação é o elemento que estabelece a relação entre
os dados, que são objectivos e neutros do ponto de vista social, e o conhecimento, que é
subjectivo e não neutro em termos sociais, uma vez que é esse conhecimento que alimenta
a acção social dos indivíduos (Jones, 2010). A função social da informação é precisamente
estabelecer essa relação entre a objectividade dos dados e a subjectividade do conhecimento que se manifesta em acção social. Ora, as transformações em curso na distribuição social
de informação alteram a forma como a informação cumpre essa função. Nesta dissertação,
englobamos no conceito de informação todos o tipos de dados que podem ser apreendidos
14
pelos indivíduos e usados como alimento do conhecimento. O que significa que integramos
no conceito de informação tanto os conteúdos noticiosos como os de entretenimento, assim
como os de “serviço”.
Por outro lado, a comunicação é a partilha de significados através da transmissão de
informação (Castells, 2009:54). O significado só pode existir se existir um código partilhado
por quem comunica e portanto, desse ponto de vista, qualquer acto de comunicação implica
um relacionamento social. O carácter interactivo das novas tecnologias de informação e
comunicação digitais estimula as comunicações societais bidireccionais em prejuízo das
unidireccionais e dilui as fronteiras das comunicações de massas e todas as outras formas
de comunicação (Cardoso, 2006). Para o âmbito deste trabalho, consideramos como comunicação a transmissão e partilha de informações, isto é, conjuntos de dados inteligíveis para
os indivíduos. A comunicação de dados entre computadores também é relevante no contexto das transformações, mas está fora do âmbito deste trabalho. E a comunicação interpessoal também desempenha um papel muito relevante no contexto da distribuição social de
informação, mas o enfoque deste trabalho está na comunicação mediada.
2.5.
O valor da informação
O “valor” é um conceito muito complexo que pode ser abordado nas perspectivas filo-
sófica, económica, sociológica e até psicológica. É um dos conceitos mais longamente debatidos e analisados nas ciências sociais, uma vez que está no centro de muitos dos mecanismos de funcionamento da sociedade. Do ponto de vista marxista, o valor de algo reflecte
a incorporação de trabalho e capital na respectiva produção e pode repercutir-se, em termos
práticos, em dois tipos básicos de atribuição de valor: o valor de uso e o valor de troca (Fuchs, 2014:175). O valor de uso (“use-value”) corresponde ao benefício que alguém pode
retirar desse fruto do trabalho próprio ou de outrem. O valor de troca (“exchange-value”)
corresponde ao preço a que esse mesmo objecto ou serviço pode ser transaccionado no
mercado (Repo, 1986:375). Ou seja, a primeira acepção do conceito depende da apreciação
subjectiva de um sujeito, a segunda é manifesta e pode ser quantitativamente medida no
mercado. O primeiro problema é que as duas acepções aparecem muitas vezes confundidas
e o segundo problema é que não existe uma correspondência directa e necessária entre o
valor de uso e o valor de troca (Picard, 2010). Ou seja, não se pode deduzir um do outro.
Robert Picard (2010:50) agrupa os valores associados à produção e distribuição de informação numa matriz que distingue, por um lado valores intrínsecos (verdade, identidade,
15
pertença, etc) e valores instrumentais (participação democrática, compreensão, aprendizagem, etc) e, por outro lado, valores sociais (comunidade, participação, integração social, etc)
e valores individuais (conhecimento e compreensão, apoio à decisão, etc). Ou seja, a função
social da produção e distribuição de informação é por um lado servir o indivíduo e a comunidade e por outro lado fazê-lo na prossecução de valores que são um fim em si mesmos ou
que, em alternativa, são um instrumento na obtenção de outros benefícios. O conjunto destes valores corresponde, grosso modo, ao nosso entendimento do que é o valor social da
informação, de que falaremos mais à frente. Os indivíduos convivem em sociedade através
das trocas comunicativas que estabelecem entre si e é com a informação partilhada que
constroem a sua vivência social, que naturalmente é indissociável dos valores acima. É por
isso que algumas formas de informação – como o jornalismo, por exemplo – assumem socialmente uma relevância particular, inclusivamente institucionalizada em algumas das suas
regras profissionais. Isso acontece porque se entende que essas actividades produzem determinados valores sociais (individuais e/ou colectivos) que a comunidade deve assegurar.
O problema com este tipo de valores é que eles são impossíveis ou difíceis de medir
ou quantificar. Tratando-se de valores “de uso”, dependem da apreciação subjectiva do sujeito e portanto só podem ser inferidos empiricamente através de uma inquirição aos mesmos, com a carga de subjectividade que isso pode implicar, uma vez que os valores que são
mais importantes para um indivíduo podem não o ser para outro (Picard, 2010:48).
Numa sociedade capitalista e numa economia de mercado, a produção e distribuição
económica de informação segue o princípio do lucro e portanto procura adequar a oferta de
informação aos valores que os indivíduos querem obter com ela, sejam valores intrínsecos
ou instrumentais e individuais ou sociais. Essa é a forma como, na maioria das sociedades
de mercado ocidentais, a comunidade escolheu institucionalizar a distribuição social de informação. Por um lado, há outras sociedades nas quais distribuição social de informação
não segue as regras do mercado e, por outro, mesmo nas sociedades capitalistas ocidentais, o sector “privado” convive normalmente com outras formas institucionais de distribuição
social de informação, frequentemente através de controlo estatal.
Nos casos em que a informação é de alguma forma transaccionada no mercado, ela
converte-se num bem económico e assume um “valor de troca”. E esse, ao contrário do valor de uso, pode ser medido e quantificado. Ou seja, existe uma decorrência de valor: é o
valor de uso que a informação pode ter para os indivíduos (seja ele individual ou social e
intrínseco ou instrumental) que gera o seu valor de troca, o qual se manifesta economica-
16
mente no mercado. Neste trabalho, o objectivo não é tentar verificar uma correlação desse
tipo, mas antes analisar de que forma a emergência das tecnologias de informação e comunicação digitais e a organização em rede das sociedades modernas afecta ambos os planos
autonomamente. No capítulo 4 analisaremos de que forma essas tecnologias afectam o valor económico da informação tal como é observável no mercado. No capítulo 5 olharemos
para a utilização social da informação para perceber se essas mesmas transformações alteram o “valor” que os indivíduos podem retirar dela.
A análise económica da distribuição de informação é particularmente importante no
contexto actual porque, tal como sugerimos acima, a forma de organizar a distribuição social
de informação através meios de comunicação social, com as suas regras de funcionamento
e os seus modelos de negócio próprios, foi a forma institucional encontrada para fazer tradicionalmente essa distribuição. A emergência da sociedade em rede ligada por computadores e das tecnologias digitais altera essa forma institucional e isso reflecte-se tanto no valor
económico da informação, tal como medido no mercado de informação, como no seu valor
social, manifesto na utilização que os indivíduos fazem da informação. São esses os dois
aspectos que pretendemos abordar.
2.6.
O valor económico da informação
Aquilo a que – em sentido lato – chamamos “informação” é algo que possui caracterís-
ticas específicas que tornam a abordagem do seu valor económico muito problemática, ao
ponto de os economistas terem longamente debatido se a informação deveria ou não sequer
ser considerada um bem económico, ou seja, sujeito às mesmas regras económicas que os
restantes produtos (Bates, 1990). Segundo Benjamim Bates, a informação: a) pode ser
transferida; b) tem alguma utilidade para alguém; e c) pode ter um determinado valor associado a ela (Bates, 1990). Por isso, pode comportar-se no mercado como um bem económico. Existem no entanto algumas características que lhe são específicas e que têm impacto
na forma de olhar o respectivo valor económico. Bates fala da infinita reprodutibilidade da
informação, da incerteza resultante do facto de ela só manifestar o seu valor pelo uso e do
aspecto crucial de uma informação transmitida ao sujeito B não privar o sujeito A dessa
mesma informação (Bates, 1990). Fuchs, por seu lado, aponta que a informação não é gasta pelo consumo, pode ser infinitamente partilhada e copiada sem se perder, pode ser facilmente transmitida, é um bem social, tem custos fixos muito superiores aos custos marginais
da sua multiplicação e, por fim, é normalmente vendida no mercado com lucro (Fuchs,
17
2014). Picard, por seu lado, partindo de Repo, indica como sendo os seguintes os traços
distintivos da informação enquanto bem económico: só existe materialmente na percepção
humana, é facilmente transportável, difundível e partilhável, e a sua disseminação livre maximiza o seu uso em vez de o diminuir (Picard, 2010:45). Para Shapiro e Varian, o elemento
fundamental a ter em conta neste aspecto é que a informação é muito dispendiosa de produzir mas extremamente barata de reproduzir. Dito de outro modo, tem custos fixos muito
elevados, mas custos marginais muito reduzidos (Shapiro & Varian, 1999:9).
Segundo Bates, outra vez, o paradoxo com que deparamos quando olhamos para a informação em termos económicos resulta do facto de o seu valor estar mais ligado ao método de distribuição do que à qualidade ou utilidade da informação em si (Bates, 1990). Ou
seja, acoplada aos suportes físicos que lhe servem de transporte no formato analógico, a
informação comporta-se no mercado como um bem económico comum. Mas, isolada dos
seus suportes analógicos, a informação revela características específicas que desafiam as
leis gerais da economia. E isso – indo ao encontro da tese deste trabalho - tende a ser cada
vez mais manifesto à medida que a aludida migração do analógico para o digital alarga o
efeito de desmaterialização da informação.
Para justificar a inclusão da informação no campo dos bens económicos, Benjamim
Bates recorre ao conceito de “stock de valor”, correspondente ao valor de uso que uma informação mantém para o seu detentor depois de ser partilhada. Ao ser partilhada, uma informação não deixa de ter valor de uso para o seu detentor original, mas o seu “stock de
valor” reduz-se porque, com cada disseminação de informação reduz-se o “capital” de uso
que ela ainda pode vir a ter para o seu detentor. Por isso, deduz Bates, do ponto de vista da
teoria económica, o “stock de valor” da informação reduz-se à medida que aumenta a respectiva disseminação (Bates, 1990). O que isto significa, em termos práticos, no contexto da
sociedade em rede e da migração para o digital, é que o facto de a informação se tornar
abundante reduz o respectivo valor económico, do ponto de vista teórico. A oferta tradicional
de produtos informativos em formato analógico associa o respectivo valor ao suporte em
que se sustentavam. O respectivo custo marginal é o custo do suporte e desse ponto de
vista comporta-se como um produto normal. Mas a desmaterialização da informação proporcionada pelo digital altera essa equação. O digital reduz os custos de produção e distribuição de informação e por isso o custo marginal da informação tende a aproximar-se de zero
e a destituir a informação de valor económico apropriável.
18
Yochai Benkler identifica duas características distintivas da informação que têm reflexos no seu valor económico. A primeira dessas características é que a informação é “nãorival”. Ou seja, o facto de alguém transmitir a outrem uma informação não implica que o primeiro sujeito fique despojado dessa informação. Esquematizando, se A transmitir uma informação a B, B fica na posse dessa informação, mas A também não perde essa posse. O
que Benkler sublinha é que, em termos económicos, isto significa que o custo marginal da
informação tende para zero e portanto a informação tende a ser um bem sem valor económico e a tornar-se um bem público (Benkler, 2006:36). Ou seja, devido ao facto de o seu
custo marginal ser zero, a informação, despojada de suportes, não pode ser lucrativa e portanto não interessa aos agentes económicos cuja função é produzir lucro. É por isso que,
para poderem remunerar o trabalho criativo em geral e a produção de informação em particular, as nossas sociedades inventaram o copyright como solução institucional para este
problema. Aliás é interessante notar que essa solução institucional está indelevelmente associada aos formatos analógicos de distribuição de informação, em que o “copyright” é o
direito de fazer uma cópia do suporte analógico no qual viaja a informação, seja um livro, um
jornal, um filme em celulóide ou uma emissão hertziana. Ora, como referido acima, o formato digital da informação implica uma desmaterialização da mesma, que por sua vez tem como consequência a impossibilidade de institucionalizar o “copyright” nos mesmos moldes
em que isso era feito para a informação analógica.
Mas Benkler atribui outra “qualidade” distintiva importante à informação enquanto produto económico que reforça esta tese. Para ele, a informação é ao mesmo tempo o input e o
output do processo de produção (Benkler, 2006:37). Ou seja, quem produz informação precisa de usar informação no processo da sua produção. Desse ponto de vista, qualquer encargo económico sobre a informação que é usada como input do processo de produção é
um “custo” que se irá reflectir no seu output, aumentando o preço e o rendimento do produtor de informação. Inversamente, uma redução dos custos dos inputs de informação (tal como a que resulta da sua abundância e facilidade de reprodução) tende a reflectir-se numa
redução do preço do output, ou seja, tende a repercutir-se numa redução do valor da informação. O que, mais uma vez, vai ao encontro da tese central deste trabalho.
Para Benkler, por outro lado, o que as novas tecnologias de informação e comunicação digitais fazem é reduzir os custos de transacção no processo social. Na convivência
social, é frequente os vizinhos ou amigos ajudarem-se mutuamente – sem envolver troca
económica - quando necessitam. O problema é que há inúmeros contextos nos quais esse
19
tipo de relacionamento não é possível sem incorrer em custos de transacção demasiado
elevados. Segundo Benkler, o que as modernas tecnologias de informação e comunicação
permitem é reduzir substancialmente esses custos de transacção – sobretudo para os bens
informativos – e assim resolver por via de troca social aquilo que antes tinha que ser resolvido através de troca económica (Benkler, 2014:297).
Ainda do ponto de vista da teoria económica, Benjamim Bates salienta que a função
de redução de incerteza que a posse de informação proporciona aos indivíduos sugere uma
apropriação privada do valor da informação. Mas, pelo contrário, o facto de o consumo de
informação por um indivíduo não implicar a sua deterioração para outro sugere o entendimento da informação como um bem público (Bates, 1990). O que é curioso notar, neste contexto, é que, embora a informação continue a ser um factor de redução de incerteza e portanto continue a poder ser entendida como tendo valor económico, as novas tecnologias de
informação e comunicação o que fazem é precisamente potenciar a sua disseminação, reforçando por isso o seu entendimento como um bem público. Ou seja, quando pensamos
nas transformações introduzidas pelas novas tecnologias de informação e comunicação nos
métodos sociais de produzir e distribuir informação, reparamos que esta continua a ter as
mesmas funções e relevância social; o que se reduz – teoricamente – é o potencial de apropriação económica da mesma.
Para Picard, o valor da informação flutua em função de dois factores: a escassez e a
necessidade. Quando um bem é escasso o seu valor económico sobe e quando ele é abundante o seu preço tende a descer, reflectindo uma redução do seu valor económico. Por
outro lado, o valor de um determinado bem ou serviço também depende do estado de necessidade dos indivíduos face a esse bem ou serviço, o qual pode variar segundo diversas
circunstâncias. O exemplo comum é o da água, que tem mais valor no deserto do que noutra circunstância qualquer devido ao facto de responder a uma necessidade básica do ser
humano (Picard, 210:46). Chris Anderson, por seu lado, escreveu aprofundadamente sobre
abundância e escassez de informação, salientado que as regras económicas que se aplicam
a um estado de abundância são substancialmente daquelas que vigoram num estado de
escassez (Anderson, 2006:143-146). Obviamente continua a haver elementos de escassez
no novo paradigma digital de distribuição de informação da sociedade em rede, como a
atenção ou o tempo disponível para que cada indivíduo tem para consumir informação, por
exemplo. Mas, o que Anderson salienta é que a informação não é um desses elementos,
20
que ela se tornou abundante e que isso altera radicalmente as condições económicas da
sua produção, distribuição e consumo.
Para Manuel Castells, a definição do que tem ou não tem valor na sociedade resulta,
tal como nas sociedades anteriores, do exercício do poder. Tem valor aquilo que quem captura poder em sociedade decide que tem valor. Mas, com as múltiplas redes sobrepostas e
distribuídas que Castells identifica, isso também significa que esse poder se distribui e pode
ser selectivamente exercido numa ou noutra rede. Ambos os factores apontam para uma
redistribuição do poder de definir o que tem valor no quadro da sociedade em rede (Castells,
2009:27-29). Castells avisa que qualquer tentativa de reduzir o valor a um indicador único
enfrenta enormes dificuldades práticas e metodológicas (Castells, 2009:28), no entanto também considera que o indicador genérico das transferências de valor entre as várias redes é
o dinheiro, ou seja, o indicador standard do valor de troca (Castells, 2009:52).
Em suma, a resenha bibliográfica referente ao valor económico da informação permitenos concluir que as transformações em curso na sociedade em rede alteram o valor económico da informação e portanto têm implicações e consequências profundas na forma de
institucionalizar economicamente a sua distribuição em sociedade. Segundo Shapiro e Varian, num mundo em que o problema é menos o acesso à informação do que o excesso de
informação, o verdadeiro valor produzido por um fornecedor de informação está na capacidade para localizar, filtrar e disponibilizar a informação que alguém procura. Por isso é que
os motores de busca, por exemplo, estão entre os websites mais populares da internet
(Shapiro & Varian, 1999:13), tal como veremos mais à frente na análise de dados. Por outro
lado, as investigações de Von Hippel sobre os factores de inovação também identificam que,
no campo dos produtos e serviços de informação (como noutros), a inovação tende a surgir
mais dos utilizadores – individuais ou socialmente organizados – do que das empresas que
tradicionalmente produziam e distribuíam esses produtos e serviços. E que isso obriga a
uma revisão e alterações dos modelos de negócio associados e a essa produção e distribuição (Hippel, 2005). Uma visão abrangente sobre os modelos de negócio abertos pelo novo
quadro da produção e distribuição digital de informação revela múltiplas variantes possíveis
(Cardoso, Mendonça & Neves, 2013; Gambaro, 2013). Mas a maior parte deles são desenvolvidas por novas empresas que não as empresas de media tradicionais. Isto resulta da
sua menor capacidade de inovação e adaptabilidade.
Ou seja, vistas em conjunto, as transformações na forma de comunicar em sociedade
reforçam a importância que têm no processo de distribuição social de informação tanto os
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utilizadores finais como as empresas que lhes fornecem ferramentas de comunicação, que
são aquelas empresas que foram capazes de inovar nesse sentido. E isso arrasta consigo
necessariamente um deslocamento correspondente da capacidade de captura do valor económico da informação. Para Manuel Castells, embora as ferramentas de “user-generated
content” proporcionadas pelas novas plataformas que surgem na sociedade em rede, pareçam à primeira vista gratuitas, na realidade, não o são completamente (Castells, 2009:97).
Por duas razões. Em primeiro lugar porque a sua utilização qualifica e converte os seus utilizadores em melhores alvos comerciais. O facto de os indivíduos usarem as ferramentas de
comunicação proporcionadas pelos “novos media” da sociedade em rede gera um conjunto
de meta-dados sobre essa utilização que faz aumentar o valor publicitário e comercial dos
contactos com esses indivíduos. Há aqui portanto um acréscimo de valor passível de ser
captado pelas empresas que proporcionam essas ferramentas e plataformas de participação
dos indivíduos. Segundo Dan Schiller, essa qualificação das audiências permitida pela utilização destas ferramentas corresponde à passagem do “mass marketing” aos “class marketing” (Schiller, 1999:135). Em segundo lugar, a utilização dessas ferramentas e plataformas
proporcionadas pelos “novos media” da sociedade em rede não é na realidade gratuita porque, como foi evidenciado acima, os “novos media” retiram o seu valor económico da distribuição de conteúdos alheios e não da sua produção. Ou seja, o valor económico de uma
plataforma de “user-generated content” é tanto maior quanto mais abundante for o conteúdo
que ela aloja, administra e distribui. Ao usarem essas plataformas e ferramentas, os indivíduos estão a contribuir com conteúdos para as mesmas, aumentando portanto o seu valor e
assim “pagando” essas ferramentas.
A semelhança entre o fazem estas novas empresas nativas da internet no processo de
distribuição social de informação e aquilo que faziam os mass media tradicionais na sua
produção e distribuição é que ambos capturam o valor económico da informação. A primeira
diferença é que os “novo media” não produzem directamente a informação que distribuem e
a segunda é que operam preferencialmente a uma escala global. O facto de estas empresas
a que chamamos os “novos media” da sociedade em rede dependerem da escala global
para operar de um modo economicamente rentável (como veremos mais à frente) é precisamente o que explica o fenómeno “winner takes all” que se tende a verificar, com o predomínio de um serviço de pesquisa (Google), uma plataforma de videos (YouTube), uma rede
social (Facebook) e um serviço de microblogging (Twitter), etc (Brynjolfsson, Hu & Smith,
2010). Por um lado a atractividade de cada um desses serviços e ferramentas para o poten-
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cial utilizador é tanto maior quanto maior for a sua base de utilizadores – a conhecida lei de
Metcalfe (Castells, 2009:42) - e, por outro lado, quanto mais utilizadores tiver o serviço melhor o respectivo fornecedor será capaz de usar os dados e meta-dados gerados pelos utilizadores para os rentabilizar no mercado.
Charles Brown, por fim, salienta o peso que a agregação de conteúdos tinha no modelo de negócio dos media tradicionais, com produtos informativos analógicos, e considera
essa agregação o elemento central da respectiva fundamentação económica. No novo paradigma digital – argumenta – a função de agregação não mudou; o que mudou foram as
condições técnicas em qua a mesma pode ser feita. E se, como sugere, a captação de valor
resulta fundamentalmente da função de agregação de conteúdos, então está em melhores
condições para captar valor na nova paisagem dos media digitais quem oferece as ferramentas técnicas para operacionalizar essa agregação (Brown, 2013).
Em suma, as transformações operadas na transição para a sociedade em rede e na
migração das tecnologias de informação e comunicação analógicas para digitais alteraram
não só o valor económico da informação como também as formas de o capturar. Mais à
frente analisaremos dados empíricos agregados e estudaremos um caso para tentar perceber de qua forma ambas as coisas acontecem. De seguida olharemos mais em detalhe para
as formas como as transformações citadas afectaram o valor social da informação.
2.7.
O valor social da informação
Depois de termos visto de que forma as novas tecnologias de comunicação e informa-
ção digitais e a sociedade me rede influenciam o valor económico da informação e o modo
como ela é produzida, distribuída e consumida, devemos agora olhar mais em detalhe para
o valor social da informação, de modo a tentar perceber se e de que forma ele é afectado
pela sociedade em rede e pela migração para o digital.
As relações sociais desenvolvem-se através da comunicação. É através da forma como comunicam uns com os outros que os indivíduos e os grupos interagem socialmente.
Por isso, qualquer transformação de vulto nas tecnologias de comunicação usadas em sociedade implica uma transformação do tipo de relacionamentos sociais que com elas se estabelecem (Benkler, 2006:369). No entanto, esse nexo de causalidade não é determinístico.
Ou seja, as tecnologias de comunicação que usamos impõem uma certa latitude de possibilidades técnicas, mas, dentro dessa latitude, a forma como acabam por ser usadas em sociedade depende da organização social, das possibilidades económicas e do contexto históri-
23
co. Seja como for, as alterações observáveis nas tecnologias de informação e comunicação
geram inevitavelmente transformações ao nível da forma como se materializam nos contextos sociais em que são usadas.
Olhar a disseminação social da informação sob a perspectiva do seu valor social obriga-nos a recorrer teoricamente ao conceito de “capital social”. Bordieu definiu “capital social”
como “o agregado de recursos actuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede
durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento e reconhecimento
mútuo – ou, por outras palavras, a pertença a um grupo – que proporciona a cada um dos
seus membros o apoio do capital que é propriedade colectiva, uma credencial que lhes dá
acesso a várias formas de crédito” (Bordieu, 2008:21). Para Bordieu, o funcionamento das
sociedades não pode ser entendido sem o recurso a outros conceitos de capital, para além
do capital económico, como o capital social e o capital cultural. O capital social corresponde
àqueles recursos que os indivíduos podem obter a partir das suas interacções sociais e em
resultado das trocas sociais que encetam com os outros indivíduos com quem interagem. O
capital económico pode ser convertido em capital social, por exemplo através do tempo e
esforço que um indivíduo dedica à sua rede de relacionamentos, mas também pode percorrer o caminho inverso, quando o indivíduo retira benefícios económicos que não seriam possíveis sem o investimento realizado na sua rede social (Bordieu, 2008:25).
Coleman, por seu lado, considera que o capital social se expressa se três formas diferentes: em obrigações e expectativas, que estão na base da instituição de relações de confiança entre os indivíduos; na aquisição de informação através das relações estabelecidas
na rede social, a qual constitui a base para a acção social; e através de normas e sanções
sociais (Coleman, 1988:102-104) . Para Coleman as redes sociais tendem a gerar tanto
mais capital social quando maior for o seu fechamento (“enclosure”, no original), uma vez
que isso tende a reforçar a intensidade dos laços entre os membros da rede social. Elinor
Ostrom, por seu lado, refere igualmente esta função de coesão do capital social e sublinha
que, ao contrário do capital físico, o capital social não se gasta com o uso, mas antes com o
desuso, uma vez que o valor da rede tende a deteriorar-se se ela não for usada regularmente (porque, de certa forma, a rede só existe enquanto tal pelo seu uso). E, pelo contrário, o
capital social tende a aumentar na proporção do uso da rede, desde que esse uso resulte do
estabelecimento de relações de confiança entre os indivíduos (Ostrom, 2000:180). Ou seja,
ambos os autores – Coleman e Ostrom – sublinham a densidade das relações como um
elemento importante de geração de capital social, o que em princípio corre contrário ao ca-
24
rácter menos denso das redes sociais online introduzidas pelas tecnologias digitais. A resposta é dada por Granovetter, cujos estudos concluíram pela coexistência de uma rede densa de relacionamentos próximos e frequentes e de uma outra rede menos densa, de relacionamentos mais distantes e menos frequentes. Segundo Granovetter, cada um destes tipos
de rede produz um tipo diferente de capital social: a rede de laços fortes produz um capital
social agregador que é importante para a coesão do grupo, enquanto a rede de laços fracos
produz um capital social relacionador, que é decisivo para estender o alcance da capacidade geradora de capital social (Granovetter, 1983:203). Além disso, os laços fracos têm a
função adicional - com um alto potencial de geração de valor – de estabelecer pontes entre
diferentes “clusters” de rede densamente povoados. Ambas as coisas – a rede menos densa
e as ligações entre diferentes tipos de redes – estão de acordo com aquilo que observamos
nas modernas redes sociais online, como veremos mais à frente. Robert Putnam, por seu
lado, considera que, atendendo ao modo como se forma, o capital social tanto pode ser
considerado um bem privado como um bem público, uma vez que a sua emergência no contexto social tanto pode beneficiar o indivíduo, individualmente considerado, como a rede de
que ele faz parte, colectivamente considerada (Putnam, 1995).
Ao contrário de Putnam, Barry Wellman não considera que as relações sociais se venham deteriorando com o tempo e avança com o conceito de “individualismo em rede”
(“networked individualism”, no original) para explicar que as redes sociais online não podem
ser vistas como um substituto das relações sociais interpessoais mas antes como o seu
complemento. As relações sociais online suplementam as relações sociais interpessoais
sem as diminuírem ou incrementarem (Wellman, Haase, Witte & Hampton, 2001:436).
Para Benkler, a importância crescente das formas não mercantis de produção de informação, conhecimento e cultura, maioritariamente através de redes sociais online, suscita
três perplexidades. Em primeiro lugar saber porque razão é que os indivíduos participam
nessa produção. Em segundo lugar, perceber porque o fazem aqui e agora, no contexto das
transformações em curso. E, em terceiro lugar, saber se isso é eficiente do ponto de vista
económico e social (Benkler, 2006:91). A resposta à terceira questão, já sabemos que Benkler a remete para uma alteração do modo social de produção de informação. Resta saber
porque o fazem e porque o fazem agora. A primeira razão, obviamente, é porque podem. As
tecnologias que o permitem são novas e portanto o surgimento das redes sociais online
abriu aos indivíduos um novo leque de possibilidades de comunicação e relacionamentos
25
sociais que não existiam antes. A segunda razão – e mais importante – é porque retiram
dessa participação alguma forma de benefício.
Van Dijck, como muitos outros sociólogos, salientou o facto de a participação dos indivíduos em redes sociais online resultar em grande parte de uma exploração do seu trabalho,
por um lado, e dos seus dados, por outro. Ao participarem em redes sociais online, os indivíduos agem como fornecedores de conteúdos e fornecedores de dados sem receberem
qualquer compensação material por isso e sem controlarem devidamente as condições em
que o seu trabalho e os seus dados são colocados ao dispor da exploração comercial de
empresas privadas movidas pelo objectivo do lucro (Van Dijck, 2009:47). Mas outros estudos recentes têm demonstrado que os utilizadores de redes sociais mediadas retiram outro
tipo de benefícios dessa participação. Estudando a contribuição de vários indivíduos para
redes de partilha de fotografias, por exemplo, Petersen concluiu que grande parte das pessoas fazia essa partilha na expectativa de, na sequência dela, estabelecer momentos de
relacionamento social com outras pessoas. Ou seja, estas são tecnologias relacionais. Por
isso, conclui Peterson, não podemos ver a participação dos indivíduos nas novas plataformas mediadas onde se relacionam socialmente apenas na perspectiva marxista de captura
do valor-trabalho dessa participação e do valor de mercado dos respectivos dados. Temos
que olhar para essa participação no quadro das alterações que as novas possibilidades de
comunicação abrem para os relacionamentos sociais dos indivíduos (Petersen, 2008, 2).
Manuel Castells, por seu lado, considera que as modernas plataformas de construção
social em que os indivíduos interagem são uma construção dos próprios indivíduos (Castells, 2014:139). O substrato técnico e a exploração comercial das mesmas é propriedade de
empresas particulares com vista para o lucro, mas o elemento decisivo no respectivo modo
de funcionamento são os indivíduos que participam nelas. Por um lado, a enorme adesão
que esses espaços de sociabilidade têm vindo a ganhar, leva as instituições que interagem
com as pessoas – nomeadamente as empresas – a procurarem estar presentes. E, por outro, embora o carácter massivo de adesão dos indivíduos dificulte a sua saída da rede, a
facilitação do acesso à construção de uma rede alternativa reforça o poder dos indivíduos
em prejuízo das próprias empresas que lhes fornecem as ferramentas (Castells, 2014:140).
Ou seja, a transferência de poder que as tecnologias de comunicação e informação distribuídas encetam tem reflexos também neste aspecto.
Gustavo Cardoso, por fim, considera que o modo como as novas tecnologias de mediação para interagir socialmente estão a mudar o nosso “mundo vivido” (”lifeworld”) e que
26
nesse processo estamos a substituir os “grupos de referência” do passado por “grupos de
pertença” mediados nos quais emulamos o tipo de funcionamento e de relacionamentos que
temos nos grupos face-a-face (Cardoso, 2012:203). Ou seja, estamos a assistir a novas
formas de estabelecer relacionamentos sociais nas quais as tecnologias mediadoras desempenham um papel condicionador.
Em suma, se a quantidade de laços sociais disponíveis, por si só, aumenta o potencial
de capital social mobilizável para os indivíduos, como sugere Resnick (2000:10-12), então a
multiplicação de canais permitida pelas novas tecnologias de informação e comunicação
digitais é em si mesma um elemento multiplicador dos capital social disponível, quer para os
indivíduos, quer para a comunidade como um todo. O que equivale a dizer que a disseminação de informação permitida por essas tecnologias aumenta o valor social da própria informação. Podemos dizer, como refere Lin (1999), que a multiplicação das ligações de rede
permitidas pelas novas tecnologias de informação e comunicação é um factor decisivo de
reforço do capital social dos indivíduos, dos grupos e das suas redes.
3. HIPÓTESES E METODOLOGIA
De análise bibliográfica realizada acima resulta bastante claro que a emergência da
sociedade em rede e a migração para as tecnologias de informação e comunicação digitais
tem implicações em vários aspectos da vida em sociedade. Um desses aspectos – um dos
mais marcantes – é a forma como é feita a distribuição social de informação. De uma sociedade de massas predominantemente organizada à volta da função social dos mass media,
passámos para uma sociedade em rede onde novos actores desempenham novas funções
no quadro da produção, distribuição e consumo social de informação.
Por outro lado, como conhece bem quem trabalhe ou estude a situação dos media tradicionais na transição para a sociedade em rede, o problema principal coloca-se ao nível
dos modelos de negócio associados a essa função social. Ou seja, os media tradicionais
tardam em encontrar uma forma de adequar economicamente a sua operação às novas
condições de exercício dessa função na sociedade em rede mediada por computadores.
Basicamente porque não conseguem retirar das audiências no ambiente digital o mesmo
grau de rentabilidade que retiravam das audiências no ambiente analógico anterior. Donde
resulta a pergunta de partida para a nossa investigação: de que forma é que a sociedade
em rede e a migração para o digital afectam o valor económico e social da informação? E,
27
se afectam, poderá a forma como afectam explicar as dificuldades dos meios de comunicação social em encontrar modelos de negócio sustentáveis na era digital?
Da análise exploratória desta questão resultaram, para nós, uma hipótese principal
que se decompõe em três hipóteses operacionais:
HIPÓTESE GERAL
A sociedade em rede reduz o valor económico e aumenta o valor social da informação
Hipótese operacional A1
O valor económico da informação distribuída pelos mass
media reduziu-se na transição para a sociedade em rede
Hipótese operacional A2
O valor económico de informação distribuída pelos novos
media da sociedade em rede é menor que o valor económico
da informação distribuída pelos mass media antes da sociedade em rede
Hipótese operacional B1
No contexto da sua utilização social, a abundância de informação incrementa o seu valor
As hipótese que colocamos é que a explicação para a aparente incapacidade dos media
tradicionais em adequarem a sua função social de informação aos novos tempos não decorre prioritariamente de nenhuma falha que lhes seja apontável mas sim de uma alteração das
condições de exercício dessa função que resultam de uma redução geral do valor económico da informação. A conclusão lógica, caso esta hipótese se confirme, será naturalmente
que o modelo de negócio dos mass media está esgotado e não pode ser recuperado no
quadro da sociedade em rede; que, em consequência, a sua função social está em risco; e
que, portanto, teremos que olhar para as novas condições de exercício dessa função para
iniciar a procura de um modelo institucional para o exercício dessa função social.
Para estudar as hipóteses referidas usaremos dados secundários de várias fontes, com o
objectivo de relacionar esses dados entre si e com os conceitos em estudo enumerados na
resenha bibliográfica de forma a produzir conclusões a partir do relacionamento de variáveis. No que se refere às hipóteses operacionais A1 e A2, relacionadas com o valor económico da informação, começaremos por analisar a evolução agrupada das vendas e receitas dos mass media nos Estados Unidos para as comparar com as vendas e receitas dos
“novos media” da sociedade em rede. Depois olharemos para dados equivalentes referentes
a Portugal e por fim entraremos em detalhe no estudo de caso da marca de informação Au-
28
tohoje, comparando a evolução e a dimensão das suas receitas analógicas e digitais. Neste
apartado, analisaremos os dados disponíveis e usaremos índices como o Custo Por Mil impactos (CPM) e a Receita Média Por Utilizador (RMPU).
Para estudar a hipótese operacional B1, relacionada com o valor social da informação, recorreremos a vários estudos empíricos feitos sobre amostras de utilizadores de redes sociais online, nomeadamente o Facebook, e procuraremos retirar dos dados constantes desses
estudos empíricos aqueles que permitam analisar a hipótese colocada.
Na conclusão desta dissertação faremos a correlação entre as abordagens teóricas enunciadas na revisão bibliográfica e os dados empíricos analisados na secção seguinte, de forma
a validarmos as hipóteses colocadas e formular pistas para investigação futura.
4. O VALOR ECONÓMICO DA INFORMAÇÃO – ANÁLISE DE DADOS
Nesta parte da dissertação, o objectivo é recolher dados secundários que respondam
às hipóteses enunciadas. Como veremos, os dados irão demonstrar: a) que as audiências
de media se deslocaram dos canais analógicos para os canais digitais; b) que as receitas
directas e de publicidade correspondentes tendem a seguir essa transferência das audiências; c) que as perdas verificadas nos canais analógicos não são compensadas pelo ganhos
nos canais digitais, o que está na origem do problema diagnosticado ao modelo de negócio
fundamental dos media; e, d), que a transferência de receitas para os canais digitais tem
sido predominantemente capturada por outro tipo de empresas – como a Google – que operam como intermediários de conteúdos e não como seus produtores, as empresas a que
chamamos os “novos media” da sociedade em rede. Nenhum destes postulados é novo e
todos eles estão amplamente estudados e analisados.
As hipóteses colocadas neste trabalho vão um pouco mais além e procuram uma explicação para isso. Embora à primeira vista possa parecer que os “novos media” da sociedade em rede capturam mais valor na cadeia de informação porque estão mais adaptados à
ecologia da paisagem mediática digital, isso apenas parcialmente explica o fenómeno. A
hipótese colocada é que as transformações verificadas na paisagem mediática levam a uma
redução do valor da informação e que apenas os “novos media” da sociedade em rede, por
terem uma escala global, podem ser economicamente sustentáveis nesse contexto. Ora,
neste ponto convém recordar que o conceito de valor é subjectivo e apenas pode ser medido mediante um indicador externo. Esse indicador é o valor ou preço a que a informação é
29
transaccionada no mercado, ou seja, o seu valor de mercado. Por isso, usaremos indicadores como o CPM (Custo Por Mil) e o RMPU (Rendimento Médio Por Utilizador) para analisar
quantitativamente essa questão.
Primeiro analisaremos a situação geral dos media, usando diferentes indicadores e diferentes fontes de informação, para termos um espectro amplo dos efeitos práticos das
transformações em curso. Depois estudaremos o caso do Autohoje para olharmos mais em
detalhe para os indicadores que pretendemos analisar.
4.1.
Situação geral dos media
A situação genérica dos mass media, na maioria dos mercados internacionais, é aque-
la que podemos diagnosticar para os Estados Unidos da América. E que usaremos aqui
como exemplo para aproveitar a ampla disponibilidade de dados sincrónicos e diacrónicos.
Em termos de evolução das audiências globais dos media, a tendência é de uma
transferência de audiências dos formatos tradicionais em suporte analó-
Figura 4.1 – Principais fontes de notícias no E.U.A
(1991-2012)
gico para os formatos em suporte
digital, seja através de websites seja
através de aplicações e outros canais
digitais.
O Gráfico 4.1 ilustra essa tendência, indicando a evolução anual
do número de pessoas que afirmam
usar a TV, a Rádio, os jornais ou os
(fonte: Pew Research Center/Newspaper Association of America)
canais online como fontes de notícias. Os jornais e a rádio apresentam
uma tendência claramente descen-
Figura 4.2 – Variação anual das audiências nos E.U.A
(2011-2012)
dente nesta série longa, ao contrário
dos canais digitais, que estão em
movimento ascendente. Os dados
agregados de audiência confirmam
uma descida anual de audiência dos
jornais em todos os anos desde 2003
(Pew, 2014). Os dados mais recentes
(fonte: Pew Research Center)
30
confirmam esta tendência, conforme se
pode ver no Gráfico 4.2. O segmento
Figura 4.3 – Receitas de publicidade em jornais, de
1950 a 2013, nos E.U.A.
digital é o único que cresce claramente
em audiências realmente medidas e os
jornais estão manifestamente em perda
de popularidade. A conclusão parcial a
tirar – que não é nova – é que se assiste a uma transferência das audiências
dos canais informativos mais tradicionais – imprensa, rádio e televisão –
para os novos formatos digitais.
(fonte: Newspaper Association of America)
Figura 4.4 – Receitas publicitárias nos E.U.A., entre
2003 e 2013
A análise das receitas publicitárias dos media, por seu lado, confirma
a ideia tradicional de que o dinheiro
tende a seguir as audiências. Como se
pode ver no Gráfico 4.3, as receitas
publicitárias
dos
jornais
norte-
americanos – a sua principal fonte de
receitas, numa proporção de 70 por
cento, cresceram desde 1950 até 2001
e começaram a cair abruptamente
(fonte: Statista)
Figura 4.5 – Repartição do investimento publicitário
nos E.U.A. (2005-2013)
desde essa data. Nesse mesmo gráfico
já se percebe, por outro lado, que o
surgimento de uma nova fonte de receitas – digitais e outras – nos anos
mais recentes não chega para compensar as perdas de rentabilidade dos
produtos de media em papel. O Gráfico
(fonte: IAB/PwC)
4.4 demonstra mais em detalhe este
fenómeno: à quebra significativa de receitas do papel contrapôs-se uma subida observável
das receitas digitais, mas numa proporção muito menor do que a quebra sofrida nas receitas
do papel. Esta observação atravessa todas as análises, é recorrente e estende-se aos
31
próprios
representantes
dos
media
(Wan-ifra.org, 2014). Ora, se olharmos
Figura 4.6 – Repartição de investimento publicitário
(2004-2013 – 1ºsemestre)
para a evolução do investimento total
destinado à internet, no Gráfico 4.5,
vemos que este tem vindo sempre a
aumentar e em 2013 suplantou pela
primeira vez o montante total de investimento em televisão de sinal aberto.
Mas, então, para onde foi esse dinhei-
(fonte: Business Insider)
ro? A essa pergunta responde parcialmente o Gráfico 4.6. Foi para os outros fornecedores de audiências digitais, primordialmente
para a Google, que desde 2012 recolhe mais investimento publicitário que todas as revistas
e jornais norte-americanos combinados.
Todavia, se olharmos para o custo médio praticado na publicidade digital vendida nas
propriedades Google por oposição aos canais de informação digital dos media tradicionais,
veremos que este é substancialmente menor. O indicador que mede esse “valor” é o Custo
Por Mil impressões (CPM) e representa a quantia que paga cada anunciante para atingir mil
impactos com a sua publicidade. Existem outros indicadores para o preço de acesso às audiências da informação, como o CPC (Custo por Clique), o CPL (Custo por Lead) ou o CPA
(Custo por Aquisição), mas o CPM é o mais frequentemente usado e o mais adequado para
colocar os vários canais digitais em pé
de igualdade. Como o custo do CPM
Quadro 4.1 – CPM Médio por tipo de site (Abril 2010)
se refere sempre a 1000 impressões é
o seu valor que representa o “valor”
das audiências para o anunciante. Ou
seja, o custo para o anunciante é, no
reverso da medalha, um rendimento
para o media em causa.
Conforme se pode ver no Quadro 4.1 (com dados referentes a Abril
de 2010), o CPM médio dos websites
de notícias (“General News”, “Sports”
e “Newspapers”) - entre os 6,14 e os
(fonte: ComScore, valores em dólares)
32
6,99 dólares (de 4,54 a 5,16 euros) - era substancialmente maior que o CPM da generalidade dos outros tipos de sites e do que a média do mercado (2,52 dólares, equivalente a 1,86
euros por cada 1000 impactos). Neste quadro, a publicidade da Google não está incluída
(pesquisa) ou está dispersa (e-mail, social networking, por exemplo), mas ainda assim é
interessante notar que os sites de “e-mail” (incluindo Gmail) e de “social networking” (incluindo Facebook) são aqueles que registam um CPM médio mais baixo. O que, mais uma vez,
voltará a ser referenciado mais à frente quando abordarmos o caso do Autohoje. Nessa
ocasião poderemos então comparar o CPM dos canais analógicos com o dos canais digitais.
Outra forma de analisar a mesma questão é olhar para o rendimento directo que os
media retiram das suas operações digitais e compará-los com as suas operações analógicas. Claro que a dificuldade em implementar sistemas de monetização de conteúdos eficientes nas plataformas digitais é um elemento condicionador desse resultado. Mas essa dificuldade, precisamente, faz parte das transformações em curso na paisagem mediática. Para
efeitos de análise, partimos do princípio que os media implementam a cobrança de conteúdos que podem implementar em função da predisposição dos utilizadores para pagarem por
conteúdos. O facto de os indicadores dizerem que essa está a descer é em si mesmo uma
decorrência das transformações enunciadas na parte teórica deste trabalho.
Para comparar as duas realidades – digital e analógica – temos que encontrar um indicador comum. Esse indicador é o Rendimento Médio Por Utilizador (RMPU) ou Average
Revenue Per User (ARPU) no original. Basicamente o que este indicador faz é cruzar o rendimento total ou parcial de uma entidade com o número de utilizadores que usaram o serviço de informação fornecido por essa entidade durante um determinado período de tempo,
geralmente um mês (Doctor, 2011). Ou seja, corresponde ao rendimento gerado por cada
utilizador e é, mais uma vez aqui entendido como um indicador do valor da informação distribuída por um determinado media visto pelo prisma dos seus utilizadores.
Ora, o paradoxo, quando olhamos para as audiências dos media tradicionais, é que,
na generalidade dos casos, estes têm muito mais “público” nos seus canais digitais do que
nos canais analógicos, que no entanto continuam a representar a parte principal dos seus
rendimentos. Como refere Fredéric Filloux, usando dados do ano de 2013, o New York Times, por exemplo, reúne a maior parte da sua audiência no seu website (29 milhões de utilizadores únicos por mês contra 5 milhões de leitores da edição em papel) e nas suas múltiplas presenças em redes sociais, mas a parte principal do seu rendimento – cerca de 78% continua a vir do papel (Filloux, 2014). Num cálculo mais antigo, de Abril de 2010, Henry
33
Blogdet, do site Business Insider, calculava que um utilizador das edições em papel do New
York Times – contabilizando subscritores e compradores – representava no final um rendimento médio (RMPU) de 879 dólares (649 euros) por ano. Na mesma data um visitante do
respectivo website – contabilizando receitas de publicidade (na altura ainda não havia
paywall) – “valia” 3,85 dólares por ano, cerca de 2,84 euros (Blodget, 2011). Ou seja, 228
vezes menos! Este é um fenómeno que poderia ser reproduzido em muitas outras marcas
de informação e que veremos mais em detalhe com os dados concretos do Autohoje, mais à
frente. Embora carenciando de dados mais aprofundados, o que ele indicia é que a diferença entre o rendimento por utilizador que é possível gerar num meio analógico e aquele que
pode ser produzido num ambiente digital é muito díspar. Partindo do pressuposto da continuação da migração das audiências dos canais analógicos para os canais digitais (que foi
identificada acima) e considerando os atributos diferenciadores do novo paradigma de comunicação e informação em sociedade (identificados na primeira parte), a conclusão é que
o modelo de negócio que os mass media mantinham para a distribuição de informação no
paradigma analógico não poderá ser mantido no paradigma digital. Ou seja, essa conclusão
confirma a hipótese A1 formulada acima.
Por outro lado, o rendimento
médio por utilizador dos “novos media”
Quadro 4.2 – Cálculo do RMPU para 4 “novos media”
(2013)
da sociedade em rede mediada por
computadores que identificámos atrás
é ainda mais baixo. A Forbes por
exemplo, publica o Quadro 4.2, relati-
(fonte: Forbes)
vo ao rendimento médio por utilizador
(RMPU) de quatro empresas tecnológicas que caem na nossa delimitação de “novos media”: Google, Facebook, Linkedin e Yahoo (Louis, 2013). Como se pode ver, só a Google
tem um RMPU acima de dois dólares. O Facebook, por exemplo, gera 1,63 dólares (1,20
euros), por ano, por cada um dos seus 1110 milhões de utilizadores (à época). Se não tivesse os 1110 milhões utilizadores que tem, à escala mundial, o Facebook não poderia operar
nos termos em que o faz. Se tivesse, por exemplo, os 48 milhões de utilizadores únicos
mensais que tem o New York Times geraria um rendimento total de apenas 78 milhões de
dólares (face aos 1110 milhões verificados) e não poderia manter a estrutura profissional e
técnica que tem nem poderia ter a avaliação de mercado que possui. Ou seja, indo ao encontro à segunda hipótese colocada neste trabalho: a redução do valor da informação em
34
que operam os “novos media” da sociedade em rede leva a que a sua operação apenas seja
sustentável tendo em conta a escala a que operam.
A situação em Portugal não é muito diferente, mas os dados disponíveis são bastante
mais escassos e menos comparáveis (Económico, 2014). Tal como acontece internacionalmente, os principais órgãos de comunicação social angariam muito mais audiências online,
via internet, do que nos meios analógicos que exploram. O Record, por exemplo, um jornal
desportivo, tem uma audiência média em papel de 46 mil leitores por exemplar, mas um
tráfego mensal no seu website de 23 milhões de visitas. O jornal Publico é lido em papel por
28 mil leitores, em média, e tem num mês cerca de 12 milhões de visitas no seu website,
que é o mais visitado dos jornais diários generalistas (Netscope.marktest.pt,2014; Apct.pt
2014). Embora as métricas usadas não sejam as mesmas num caso e noutro, esta comparação permite supor que, tal como acontece globalmente, as audiências portuguesas de
informação estejam a migrar dos formatos analógicos para os digitais. O relatório da Obercom sobre internet em Portugal, por exemplo, indica que para 15,3% dos inquiridos seria
difícil deixar de usar a internet, enquanto apenas 1,5% afirmam que seria igualmente difícil
deixar de ler jornais e revistas (Obercom, 2014a). Num outro estudo da mesma entidade,
feito a especialistas do sector da comunicação em Portugal, 75,8% dos inquiridos consideravam que o investimento publicitário em internet iria continuar a crescer nos próximos tempos, enquanto 72,7% afirmavam que o investimento correspondente na imprensa iria descer
(Obercom, 2014b). O que isso significa é que os media nacionais estão confrontados com
os mesmo desafios dos seus congéneres internacionais.
4.2.
Estudo de caso “Autohoje”
O estudo do caso da marca de informação Autohoje, presente em vários formatos e
distribuída por vários canais, permite perceber na prática o alcance da redução do valor
economicamente capturável da informação de que temos vindo a falar. O Autohoje começou
por ser um jornal semanal especializado em informação automóvel, predominantemente na
variante de produto mas também no desporto, editado a partir de 1989 pela Motorpress Lisboa, uma editora integrada num grande grupo europeu de imprensa especializada com sede
na Alemanha. A partir de 2005 o Autohoje – que entretanto adoptou o formato de revista
mas manteve a periodicidade semanal – passou a ter um website em www.autohoje.com,
com informação gratuita e diferente da publicada semanalmente na revista. Estas notícias
estão também disponíveis em praticamente todos os formatos mobile, igualmente em regi-
35
me gratuito. Há cerca de um ano e meio a edição semanal da Autohoje passou também, a
ser distribuída em formato digital pago, numa aplicação específica para os aparelhos da
Apple (iPad e iPhone). Actualmente, a marca de informação Autohoje está igualmente presente nas redes sociais – Facebook e Twitter – tem um fórum de utilizadores associado e
opera uma televisão via web no seu website.
Conforme se pode ver pelo Gráfico 4.7, as vendas do Autohoje têm
Figura 4.7 – Vendas em banca 2010-2013
vindo a registar uma tendência de
descida desde 2010, em linha com o
que tem sido o comportamento geral
da imprensa em Portugal. Por outro
lado, conforme se pode ver pelo Grá-
(fonte: Motorpress Lisboa)
fico 4.8, a audiência total do website
www.autohoje.com tem tido um com-
Figura 4.8 – Visitas ao website Autohoje 2010-2013
portamento estável e até algum crescimento no início de 2013.
Conforme podemos ver pelo
Gráfico 4.9, as receitas do Autohoje
provenientes do papel registaram uma
queda sistemática desde 2010, tanto
(fonte: Motorpress Lisboa)
no que se refere às receitas de vendas como às receitas de publicidade.
As
receitas
www.autohoje.com,
do
por
Figura 4.9 – Receitas Autohoje 2010-2013
website
seu
lado,
quase todas provenientes de publicidade (a monetização de conteúdos
digitais é muito incipiente) mantiveram-se mais estáveis mas nunca conseguiram compensar, até hoje, a queda de receitas – de vendas e de publi-
(fonte: Motorpress Lisboa)
cidade - da edição em papel. O gráfico está construído com todas as receitas referentes a
um índice de base 100 justamente para permitir comparações directas entre o respectivo
peso relativo.
36
Se compararmos os números vendas da revista semanal em papel e de visitantes do
website www.autohoje.com (Gráficos .4.7 e 4.8, respectivamente), verificamos que são muito maiores no segundo caso. Enquanto a revista semanal registou, em 2013, uma circulação
média por edição a rondar os 10.330 indivíduos (contabilizando os dados de vendas APCT),
o website www.autohoje.com registou em média, no mesmo período 786 mil visitantes únicos por mês (dados Netscope-Marktest). No entanto, como podemos ver no Gráfico 9, as
receitas do digital nunca representaram mais do que uma pequena parte do total. Ou seja, a
correlação entre os dados de audiência e receitas do Autohoje confirmam a conclusão de
que – também neste caso – não foi possível até ao momento gerar a mesma proporção de
receitas por cada visitante e utilizador digital que são gerada por cada leitor da edição em
papel, mesmo considerando vários produtos digitais para apenas um produto analógico.
Como se disse acima, uma das formas de analisar esta discrepância parte dos preços cobrados pela publicidade associada aos produtos analógicos e digitais. Em média, um anúncio de página inteira na revista semanal Autohoje custa cerca de 1500€ (este é aliás um
valor que também tem vindo a baixar nos últimos anos). O que significa que uma empresa
anunciante que pague 1500€ por um anúncio de página inteira que poderá chegar a cerca
de 10.330 leitores estará a pagar mais ou menos 0.15€ por cada contacto publicitário potencial (considerando uma circulação total por semana de 10.330 exemplares). No website
www.autohoje.com, por seu lado, um banner na página inicial do site representa em média
10 euros de CPM (Custo Por Mil impactos). O que significa, portanto, que a empresa anunciante que optar por esta forma de contactar os seus potenciais clientes estará a pagar
0.01€ euros por cada contacto publicitário, menos 15 vezes do que pagaria no papel. Obviamente, tanto no primeiro caso como no segundo, estes preços podem variar bastante em
função de vários factores, como o número de leitores ou exemplar e a localização ou a ocupação no caso da edição em papel (início ou final da edição, página inteira ou meia-página,
etc) e o formato ou localização no caso do digital (página inicial ou páginas interiores; tipo e
tamanho de banner, etc). Mas são valores de mercado, o que significa que não são tabelados ou controlados. São definidos pela concorrência entre vários operadores e tendem portanto a estacionar nos valores médios do mercado. O que permanece no entanto evidente é
o diferencial, que neste caso podemos estimar em de 1 para 15, entre o que “vale” a publicidade vendida na edição em papel e a publicidade em formato digital.
A outra forma de ver esta questão prende-se com a receita média obtida a partir de
cada um dos utilizadores, quer da edição em papel, quer dos formatos digitais. O Quadro
37
4.3 permite visualizar esse exercício.
Quadro 4.3 – Rendimento Médio Por Utilizador (2013)
No ano de 2013, a revista Autohoje
em papel teve em média 10.330 leitores por edição e gerou um rendimento
total de um milhão e duzentos mil eu-
(fonte: Motorpress Lisboa)
ros, considerando publicidade vendida, vendas em banca e subscrições, o que dá um rendimento médio por utilizador (RMPU)
de 118 euros/ano. Os canais digitais do Autohoje, no entanto, com audiências da ordem dos
780 mil utilizadores únicos por mês, geraram um rendimento anual de 187 mil euros, o que
equivale a um rendimento médio por utilizador de apenas 22 cêntimos/ano.
O que isto significa é que – tal como acontece com as restantes empresas de media
tradicionais – a estrutura profissional que alimenta a marca de informação Autohoje não poderá subsistir caso continue a actual e progressiva transferência de audiências dos produtos
analógicos para os produtos digitais e caso se mantenha o actual modelo de negócio em
que estes operam. Ou seja, tal como esperado, o caso prático do Autohoje confirma a hipótese A1 formulada no início.
5. O VALOR SOCIAL DA INFORMAÇÃO – ESTUDOS EMPÍRICOS
Tal como exposto na secção anterior, as características inovadoras das tecnologias de
informação e comunicação digitais e a organização da sociedade numa rede de computadores ligados entre si tem consequências na forma de valorizar a informação em sociedade e
portanto também na forma de produzir e distribuir informação. Esse é o efeito económico
das transformações em curso. Resta saber qual é ou quais são os efeitos sociais dessas
mudanças. A hipótese que colocamos, recorde-se, é que a multiplicação de ligações sociais
proporcionada pela abundância de canais de comunicação digitais e a correspondente
abundância de informação no corpo social é um elemento que reforça o capital social dos
indivíduos, dos grupos e comunidades em que se integram e da sociedade como um todo. E
que, portanto, a sociedade em rede aumenta o valor social da informação por via da sua
abundância.
Nesta parte analisaremos sucintamente os resultados de três estudos empíricos realizados sobre populações de características distintas destinados precisamente a analisar se e
de que forma a utilização de redes sociais online, mediada por computadores, aumenta ou
38
suplementa o seu capital social. Escolhemos analisar estudos sobre redes sociais online em
primeiro lugar por serem mais abundantes e em segundo lugar por aquelas serem uma destacada manifestação social das novas tecnologias de informação e comunicação digitais.
O primeiro dos estudos empíricos a que recorremos foi realizado por Elison, Steinfeld
e Lampe em 2007, sobre uma amostra de 287 estudantes da Universidade do Michigan utilizadores do Facebook (Ellison, Steinfield & Lampe, 2007). Os investigadores usaram vários
instrumentos de recolha de dados para avaliar a intensidade de utilização do Facebook, a
auto-satisfação daí resultante assim como o capital social mobilizado ou tornado mobilizável
por essa participação. Neste aspecto, foi considerada a formação de três tipos de capital
social, em linha com a teoria já produzida sobre esta matéria: um tipo de capital social com a
função de estabelecer pontes entre diferentes clusters de rede (“bridging social capital”); um
tipo de capital social com a função de reforçar os laços entre os membros da rede (“bonding
social capital”); e um tipo de capital social que tem por função manter activos laços sociais
que poderiam ser desactivados por deslocações geográficas duradouras (“maintained social
capital”). Como resultado, os investigadores concluíram que a utilização do Facebook permite tirar vantagem de vários tipos de ligações no sentido de enriquecer os recursos disponíveis para os indivíduos, mas é particularmente eficaz quando se trata de usar as pontes entre diferentes redes ou diferentes clusters de rede, ou seja, o primeiro dos tipos de capital
social referidos. Os investigadores concluíram também que o uso da internet não era, em si
mesmo e por si só, um elemento suficiente para permitir verificar a acumulação de capital
social, mas que a participação em redes sociais sim. Ou seja, segundo os dados recolhidos,
a acumulação de capital social resulta da manutenção de relações sociais graças às tecnologias de informação, que de outro modo se perderiam ou não seriam activadas. O que vai
de encontro à conclusão que é a possibilidade de manter abertos esses canais de comunicação que mantém activos os relacionamentos associados e desse modo aumenta o capital
social dos indivíduos. Uma palavra final para sublinhar que, embora essa não seja a conclusão principal que nos interessa, este estudo empírico também concluiu que o uso do Facebook era visto pelos próprios indivíduos que faziam essa utilização como intrinsecamente
gratificante e que esse efeito, embora genérico, era sobretudo notório nos indivíduos com
mais baixa auto-estima e com menor grau de satisfação com a sua vida. Ou seja, o estudo
responde também, parcialmente à questão de saber porque razão os indivíduos participam
em redes sociais online e aponta motivos intrínsecos e não apenas instrumentais para essa
participação.
39
Outro estudo empírico, realizado em 2012 por Bakshy, Rosenn, Marlow e Adamic, tem
dados igualmente interessantes e pertinentes para os fins deste trabalho (Bakshy, Rosenn,
Marlow & Adamic, 2012). Partindo da análise quantitativa do comportamento de propagação
de informação de uma população extensiva de 256 milhões que indivíduos que participam
na rede, os investigadores concluíram que a propensão a partilhar informação era mais
acentuada quando essa informação vinha assinalada como “validada” pelos amigos ou relacionamentos do individuo observado. Existe portanto aqui uma validação por via de um sancionamento social que – conclui o estudo – incrementa o valor de algumas informações em
relação a outras. Nalguns casos isto decorre de atributos atribuídos a determinados relacionamentos que são decorrentes de interacções offline dos indivíduos, mas noutros casos
esse “capital de confiança” é construído exclusivamente online e mediante relacionamentos
sociais mediados. O que permite concluir que o exercício deste tipo de relacionamentos de
um tipo novo gera um capital social correspondente que de outra forma não existiria. E não
é apenas pela construção da relação, mas também pela atribuição de um determinado grau
de confiança a essa relação em função do conhecimento e reconhecimento adquirido na
relação mediada. Ou seja, embora mediada, a relação gera capital social de uma forma em
alguns traços semelhante ao capital social que se gera nas relações interpessoais.
Mas este estudo também concluiu que, embora os laços fortes sejam mais influentes
no processo de validação e disseminação da informação, são os numerosos laços fracos de
que falava Granovetter que se tornam os principais responsáveis pelo volume de disseminação de informação que o Facebook consegue proporcionar. Isto é particularmente válido
para as informações que são consideradas como não conhecidas da rede, demonstrando
uma atitude voluntarista que leva os indivíduos a aproveitarem as facilidades concedidas
pelas ferramentas da rede para a partilha de informação precisamente para darem a conhecer à rede as informações que lhes parece que podem ser de utilidade para ela. As informações consideradas “não novas” ou “menos importantes” são menos partilhadas. Isto tem
implicações importantes, uma vez que aponta para a conclusão de que os indivíduos aproveitam as redes sociais online para disseminarem informação que lhes parece poder ser útil
na mobilização de recursos para outros indivíduos da rede, ou seja, informações que corporizam uma forma de capital social. Dito de outra forma, os indivíduos envolvidos neste estudo extensivo revelaram não apenas uma consciência da importância de determinadas informações para si próprios, mas também da importância dessas ou outras informações para os
restantes membros da sua rede. O que quer dizer que existem dois planos de enriquecimen-
40
to por via da partilha de informação que os indivíduos estudados concebem: o enriquecimento individual e o enriquecimento do grupo ou grupos a que pertencem. Justamente dois
dos planos citados acima para a hipótese de o incremento dos canais de comunicação e da
disponibilidade de informação poder contribuir para um aumento do valor social da informação por via da geração de capital social que permite.
Uma palavra final para outro estudo de carácter quantitativo realizado por Ugander,
Karrer, Backstrom e Marlow em 2011 e que os próprios autores apresentam como o estudo
mais extenso de uma rede social que terá sido realizado até à data (Ugander, Karrer,
Backstrom & Marlow, 2011). Este estudo analisou o Facebook de acordo com a teoria de
redes e recorrendo a uma amostra de 500 mil utilizadores. Embora vocacionada sobretudo
para o diagnóstico da rede Facebook, para os fins deste trabalho interessam-nos sobretudo
duas das conclusões obtidas. A primeira é o elevadíssimo grau de conectividade da rede.
Os investigadores calculam que 99,91% de todos os indivíduos ligados à rede estão de alguma forma conectados entre si num única rede comum a todos. Se – dentro dos objectivos
deste trabalho – entendermos cada conexão como um potencial de capital social – e portanto de acréscimo de valor – então isso significa que cada indivíduo tem ao seu dispor um
potencial de valor social historicamente inédito. A segunda conclusão que nos interessa é
que a rede mediada que cada indivíduo constrói no Facebook revela uma tendência para ser
altamente correlacionada com as redes offline em termos de amizades e de nacionalidades.
O que sugere, obviamente, que a adopção de redes sociais mediadas não se faz por oposição às redes não mediadas em que o indivíduo participa, mas a partir delas. A conclusão
que nos interessa, justamente, é que a as tecnologias de mediação associadas às redes
sociais online o que fazem é estender o alcance dos relacionamentos sociais dos indivíduos,
com o que isso implica de enriquecimento e valorização da sua experiência social.
Em suma, estes estudos empíricos parecem apontar todos no mesmo sentido: a rede
social Facebook serve propósitos de disseminação de informação com o fim de facultar aos
indivíduos as ligações de rede necessárias à mobilização das várias formas capital social
disponíveis. E fá-lo com uma intensidade e uma porosidade desconhecidas antes do surgimento das redes sociais online ligadas por tecnologias digitais. Dito de outro modo, a abundância de relações sociais que os indivíduos hoje em dia podem manter graças às tecnologias digitais de informação e comunicação tem como consequência uma multiplicação e
diversificação dos laços sociais que podem manter. O que se reflecte em benefícios para o
colectivo e para os indivíduos, provando que mais informação a circular na rede é em si
41
mesmo um factor de enriquecimento para própria rede e para os indivíduos que nela participam. Ou seja, a adopção massiva de redes sociais online – uma manifestação das modernas tecnologias de informação e comunicação digitais – é um elemento de acréscimo do
valor social da informação. Se a função social da informação é conectar os indivíduos entre
si e processar a mobilização de recursos, então a ampla expansão das possibilidades de
conexão permitidas pelas tecnologias de informação e comunicação digitais não pode deixar
de ser entendida como um acréscimo de valor da informação, justamente a resposta à hipótese B1 formulada acima.
6. CONCLUSÃO
O valor de uso da informação é subjectivo e por isso impossível de quantificar. O seu
valor de troca, por seu lado, depende de múltiplos factores e é extremamente complexo de
quantificar. Mas foi isso que procurámos fazer – parcialmente - neste trabalho, com recurso
a indicadores como o preço da publicidade ou a rentabilidade por utilizador. Esses indicadores dão-nos algumas ideias sobre o valor económico da informação mas não sobre o seu
valor social. O valor social da informação tem que ser procurado na decorrência da sua função social.
A base de partida para esta dissertação – recorde-se – era uma análise das transformações decorrentes da sociedade em rede e da adopção massiva das tecnologias de comunicação e informação digitais para o modo de produzir e distribuir informação na sociedade. A hipótese colocada era que as características dessas novas tecnologias digitais e a
arquitectura em rede das suas ligações tinham como efeito a redução do valor económico
da informação, com consequências ao nível da desregulação dos modelos de negócios tradicionais dos mass media, e o incremento do valor social da informação, por via da abundância de informação e de canais para a sua distribuição no corpo social. A recolha da bibliografia publicada sobre este assunto e os dados empíricos analisados parecem confirmar
essas hipóteses. Por um lado, a abundância de informação permitida por essas novas tecnologias e a conversão dos consumidores de informação em seus produtores e distribuidores dilui o valor económico da informação que pode ser capturado pelos modelos de negócio
tradicionais. E isso significa que as estruturas profissionais montadas pelos mass media
para a produção e distribuição de informação poderão não ter condições para subsistir no
novo paradigma de comunicação e informação em que estamos a entrar. Ou seja, se as
42
conclusões deste trabalho estiverem correctas, a aparente incapacidade dos mass media
para encontrarem modelos de negócio alternativos no quadro da nova sociedade em rede
não resulta de qualquer omissão ou falhanço da sua parte; é antes uma decorrência das
próprias características do novo paradigma de informação e comunicação em que passamos a viver, o qual implica uma redução do valor económico da informação. Este facto, em
si só, tem consequências profundas, se entendermos os mass media tradicionais como uma
das formas institucionais encontradas pelas sociedades de mercado ocidentais para assegurar a distribuição de informação pela sociedade, aliás com regras bastante estritas, tanto ao
nível profissional e deontológico como ao nível regulatório e legal. No novo paradigma de
comunicação e informação na sociedade em rede mediada por tecnologias digitais, essa
função social de distribuição de informação parece ter sido assumida por novos actores,
com os mass media tradicionais, produtores e distribuidores de conteúdos, substituídos pelos “novos media”, plataformas de pesquisa, tratamento e distribuição de informação que
actuam como ferramentas para a acção comunicativa dos indivíduos mas não são produtores dos conteúdos que pesquisam, tratam e distribuem. Ou seja, estes novos actores encontraram a seu lugar na cadeia de distribuição social de informação tal como ela se arquitectou
no quadro da sociedade em rede. Mas – se a hipótese colocada tiver sido confirmada, como
nos parece ter acontecido – estes “novos media” da sociedade em rede também convivem
com a já referida redução do valor económico da informação e só encontram viabilidade no
quadro da escala global em que operam. Ou seja, são simultaneamente um produto e um
agente da globalização.
Resta o valor social da informação. A análise efectuada sugere que a informação continua a ter a mesma função em sociedade: constituir-se como o veículo através do qual os
relacionamentos sociais se estabelecem. A diferença em relação ao passado recente é que
a arquitectura em rede dos canais de comunicação e a abundância de informação que as
novas tecnologias digitais permitem incrementam grandemente o número e tipo de relacionamentos que cada indivíduo pode ter assim como a frequência e facilidade com que os
pode activar. E isso constitui um acréscimo de valor social quer para o indivíduo, quer para a
comunidade ou os grupos de que faz parte, a hipótese que tínhamos colocado.
Do estudo aqui efectuado resultam claramente duas ou três linhas de investigação futura que podem ser profícuas. Em primeiro lugar, uma que se prende com os novos modelos
de negócios possíveis para os meios de comunicação social. A função social desempenhada até hoje pelos media, relacionada com o conjunto de regras de vários tipos a que são
43
sujeitos para produzir informação socialmente valida e fiável, leva a questionar as condições
em que essa mesma função pode ser desempenhada no novo paradigma de informação e
comunicação da sociedade em rede. E isso abre uma linha de investigação interessante.
Por outro lado, as questões de privacidade e poder levantadas pela participação dos
indivíduos nas novas plataformas privadas de partilha de informação, combinada com a função social relevante que essas plataformas desempenham no novo paradigma de comunicação, levam a questionar se não deveria haver um controlo colectivo das mesmas, seja em
regime público seja num novo regime de comunalidade (“commons”) que alguns autores
sugerem. Essa é outra linha de investigação interessante decorrente deste estudo.
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