Amor Disfarçado

Page 1


O Amor Sob Disfarce.indd 2

05/10/12 09:51


Jessica Brody

Amor disfarรงado

Sรฃo Paulo 2014

O Amor Sob Disfarce.indd 3

05/10/12 09:51


Copyright © 2011 by Jessica Brody Copyright © 2014 by Novo Século Editora Coordenadora Editorial Carolina Ferraz Tradução Carolina Huang Diagramação Carlos Eduardo Gomes Revisão Jonathan Busato Capa Carlos Eduardo Gomes Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Brody, Jessica Amor disfarçado / Jessica Brody ; [tradução Carolina Huang]. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2014. Título original: Love undercover. 1. Ficção - Literatura juvenil I. Título. 12-12330

CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura juvenil 028.5

2014 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11º Andar Bloco A – Conjunto 1111 CEP 06455-000 – Alphaville Industrial – Barueri – SP Tel. (11) 3699-7107– Fax (11) 3699-7323 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br

O Amor Sob Disfarce.indd 4

05/10/12 09:51


Para Charlie,

Um dos poucos homens no mundo que tem a

paciĂŞncia de viver com uma escritora. Eu te amo.

O Amor Sob Disfarce.indd 5

05/10/12 09:51


O Amor Sob Disfarce.indd 6

05/10/12 09:51


1

Prova pessoal

A moça de vestido preto justo e salto agulha da mesma cor estava sentada na beira de um banco alto de bar bem na ponta do balcão. Estava se esforçando muito para se misturar ao resto do público da noite de quinta. Infelizmente, Deus lhe havia dado algumas feições que tornavam aquilo difícil por natureza. É claro que o vestido também não ajudava. Ela mexia ansiosamente na alça de metal da sua bolsinha preta de grife com uma das mãos enquanto a outra passava por entre as pontas de seu cabelo voluptuosamente loiro e comprido, girando-as entre as pontas dos dedos como se estivesse realizando com destreza um tipo de técnica desconhecida de crochê. Era o costume nervoso de uma moça que havia desabrochado tarde na vida, que nunca fora capaz de desenvolver plenamente a confiança daqueles que sempre foram bonitos. Se ela realmente era ou não aquele tipo de moça era irrelevante. Ela interpretava esse papel impecavelmente. Com um suspiro desanimado, pegou a bolsa e tirou de dentro um pequeno celular prateado. Seus dedos agarraram com força o indefeso aparelho, sufocando-o impiedosamente enquanto juntava coragem suficiente para olhar para a tela. A ideia de que um minúsculo ícone na forma de um envelope era sua última e única esperança de salvação lhe pareceu ridícula e triste, mas, a essa altura, ela claramente já tinha deixado as expectativas ingênuas para trás. A tela estava em branco, como estivera cinco minutos atrás e cinco minutos antes disso. O minúsculo ícone que havia prometido salvá-la da conclusão que mais temia estava desafiadoramente ausente. 7 O Amor Sob Disfarce.indd 7

05/10/12 09:51


Depois de uma última e esperançosa olhada pelo bar do hotel, a moça do vestido preto atirou o celular em cima do balcão do bar e relutantemente resignou-se com a ideia de que a pessoa que tinha que ocupar o banco ao seu lado não iria aparecer. Ela suspirou e deu um gole em seu Pinot Noir, que, até esse momento de derrota, havia permanecido intocado. Estava ficando claro, a cada momento que passava, que naquela noite ela beberia sozinha; mas certamente não por escolha própria. O homem que estivera assistindo a esse espetáculo inteiro do outro lado do bar do hotel subitamente sentiu um forte fluxo de confiança. A moça do vestido preto o havia deixado extremamente intrigado, não apenas porque era surpreendentemente bonita... e loira (ele sempre tivera uma atração secreta por loiras), mas porque parecia muito perdida, muito frágil e adoravelmente impotente. Já fazia muito tempo desde a última vez em que encontrara alguém de tamanha beleza mostrando tanta vulnerabilidade publicamente. Era, com toda a sinceridade... reconfortante. Ele olhou para o banco vazio ao lado dela, maravilhado com a maneira como um objeto inanimado podia repentinamente parecer tão acolhedor, tão convidativo: estava praticamente implorando-lhe para sentar nele. R Todos na sala estavam esperando eu falar. Primeiramente, era o único motivo pelo qual eu havia sido trazida aqui: uma mensageira de palavras, uma salvadora linguística. Era um título com o qual me acostumara nos últimos meses. O ar estava quente e úmido, um dia atipicamente mormacento para Nova York no final de outubro, e parecia que o ar-condicionado havia desistido de compensá-lo havia algumas horas. Porém, verdade seja dita, eu não tinha certeza se as gotículas de suor na minha testa eram por causa da umidade na sala ou do fardo do meu propósito aqui. Teria sido mais fácil se eu fosse completamente imparcial, estivesse preparada para aceitar o inevitável resultado, independente do lado favorecido; mas eu não podia fazer isso. Por mais que quisesse, não podia não me importar. 8 O Amor Sob Disfarce.indd 8

05/10/12 09:51


O guarda uniformizado de pé ao meu lado esquerdo finalmente falou. – Você jura dizer a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade? – Juro – declarei, mantendo meu olhar fixo na estátua de mármore branco posicionada no fundo da sala. Era a única coisa neutra ali. Metade das pessoas que estavam olhando para mim queriam nada além de me ver fracassar, me ver desmoronar e errar na minha fala. A outra metade olhava para mim buscando salvação. Nenhuma das expectativas era tranquilizadora – mas não era com as expectativas delas que eu estava preocupada. – Pode se sentar – informou-me o meirinho. Sentei-me, tentando ignorar a superfície dura e lascada do assento de madeira. Houve um breve silêncio na sala, e eu me recusei a fazer contato visual com qualquer pessoa, especialmente com ele: o homem de terno cinza claro sentado diagonalmente à minha esquerda, aquele com raio laser invisível que saía dos olhos. Na maior parte do tempo, eu estava acostumada com isso. Não era a primeira vez que estava sendo alvo direto de um olhar como esse, principalmente de alguém que ocupava esse assento. A mulher alta e ruiva de saia-lápis até o joelho e blusa de seda se levantou da mesa à frente e caminhou na minha direção. Na mão, trazia um bloco de anotações, que consultou rapidamente antes de falar comigo. – Poderia, por favor, declarar para fins de registro a sua profissão? Assenti com a cabeça com confiança ensaiada e falei em tons suaves e equilibrados, mantendo as frases curtas, limitadas a não mais que dez palavras. Depois de fazer isso por quatro ou cinco vezes, a concisão começou a se tornar parte de mim. – Administro uma agência. – E em que sua agência é especializada? Pigarreei. – Oferecemos um serviço chamado “inspeção de fidelidade”. Ouvi um grunhido vindo do outro lado do tribunal e, com o canto do olho, vi o homem de terno cinza revirar os olhos. O advogado dele rapidamente lhe lançou um olhar sutil, mas de alerta. 9 O Amor Sob Disfarce.indd 9

05/10/12 09:51


– Uma inspeção de fidelidade – repetiu a advogada. – Poderia explicar ao júri o que é? Respirei fundo e falei as mesmas palavras que repetia quase todos os dias, para qualquer pessoa que entrasse no meu escritório em busca de respostas. – É um teste sigiloso para determinar se o indivíduo em questão está propenso a ser infiel. – Então – disse a mulher, segurando seu bloco com uma mão e usando a outra para animar suas palavras com grandes movimentos circulares –, basicamente, você envia um chamariz, ou isca, na forma de uma linda mulher para ver se um homem irá trair sua esposa? – Basicamente, sim – respondi. Ela assentiu com a cabeça, como se estivesse digerindo essa informação pela primeira vez, muito embora eu já lhe tivesse explicado várias vezes durante a semana que passou. – Entendo – continuou. – E será que pode me dizer se minha cliente, a sra. Langley – disse, fazendo uma pausa e apontando para a mulher magra e de aparência severa sentada atrás dela –, era uma das clientes de sua agência? Dei uma rápida olhada na direção em que seu dedo apontava. A sra. Langley estava com um rosto indiferente, e sua pele firmemente esticada e sobrancelhas bem arqueadas se recusavam a denunciar qualquer tipo de emoção. Ela tinha o tipo de rosto intolerante que se espera ver na diretora de um internato rígido, e fiquei pensando se a cirurgia plástica tinha sido feita com essa intenção. Talvez seu emprego como diretora geral de uma grande empresa não requeresse nada além de severidade. Talvez tenha achado que uma beleza mais dura e cruel se imporia mais do que uma variante suave neste mundo dominado por homens. Seus olhos escuros e sérios voltaram a focar em mim com apenas um breve indício de expectativa. Ela não era o tipo de mulher que se dispunha a depender dos outros; ou, em caso positivo, não era o tipo de mulher que queria que as pessoas soubessem disso. Era a imagem exata da pessoa que havia entrado no meu escritório com firmeza e confiança apenas alguns meses antes. 10 O Amor Sob Disfarce.indd 10

05/10/12 09:51


– Sim – respondi, abrindo uma pasta vermelha brilhosa no meu colo e verificando as anotações que estavam dentro dela. – Joy Langley contratou a agência para testar seu marido, Todd Langley, em 24 de junho deste ano. – Por quê? – perguntou a advogada simplesmente. Voltei a olhar para baixo. – De acordo com minhas anotações de nossa primeira reunião, a sra. Langley estava preocupada com a capacidade de seu marido de lidar com o sucesso da carreira ascendente dela e temia que os sentimentos dele de inadequação o levassem a ser infiel. O sr. Langley manifestou sua desaprovação com uma risada sarcástica e murmurou algo semelhante a “vadia convencida”, mas eu não estava perto o bastante para confirmar. A advogada da sra. Langley prosseguiu como se não tivesse ouvido o comentário dissimulado, ou simplesmente escolheu ignorá-lo. – Então você enviou uma de suas funcionárias para comprovar ou não suas suspeitas? Continuei ereta no meu assento, tentando me movimentar o mínimo possível. Sabia que o advogado de defesa estaria estudando minha linguagem corporal para buscar sinais de incerteza, qualquer motivo para achar falhas no meu testemunho ou questionar minha credibilidade – e eu me recusava a permitir que um descuido inocente influenciasse o resultado desse caso. – Sim – respondi. R A moça do vestido preto terminou seu vinho tinto com um gole suave. O homem que havia recém se sentado casualmente no lugar ao lado dela observava com o canto do olho enquanto ela pousava a taça em cima do balcão do bar com um tinido proposital. – Está com sede? – ele perguntou, enquanto uma descarga de adrenalina corria pelas suas veias.

11 O Amor Sob Disfarce.indd 11

05/10/12 09:51


Ele nunca soara tão natural como gostaria nesse tipo de situação. O super-herói no estilo James Bond que havia agido em situações semelhantes na sua cabeça havia desaparecido, e a versão real de si mesmo era decididamente menos impressionante. Ela virou a cabeça na direção do estranho e abriu um sorriso desanimado. – É, acho que sim. – Posso lhe pagar outra taça? Sua cabeça assentiu com gratidão. – Sim, por favor. É um Estancia Pinot. Ao mencionar estas palavras, o rosto do homem brilhou. – Estancia? É minha vinícola preferida. A moça concordou entusiasmada com a cabeça – ou pelo menos com o entusiasmo que sua festa de autopiedade permitia. – É só o que bebo. – Duas taças de Estancia – anunciou ele ao barman, contente pelo fato de a conversa ter começado bem. Então, voltou-se à moça do vestido preto, observando silenciosamente o modo como seu longo cabelo dourado parecia cair em ondas perfeitas sobre seus ombros, quase como se tivesse sido especialmente arrumado conforme seu gosto. Ela imediatamente notou que ele estava olhando, e sua boca formou um sorriso envergonhado que o fez derreter. O vinho chegou e eles brindaram, algo genérico do tipo saúde, boa sorte ou novas amizades. Rapidamente, o silêncio recaiu sobre eles após um gole inicial, um pesado silêncio cheio de ansiedade e medo de rejeição; mas era como tinha de ser. Ela provavelmente podia pensar em dezenas de assuntos para conversas que facilmente espantariam os medos dele, mas não estava ali para iniciar conversas: ela estava ali para acompanhá-las. Às vezes, a parte mais difícil é não falar, a calmaria antes da tempestade, a espera. Porém, ela sabia que o processo fora projetado dessa forma com um propósito e também sabia que provavelmente levaria mais sete segundos para: – Está esperando alguém? – ele perguntou. A cabeça dele balançava para frente e para trás, examinando o bar com apenas uma semilegítima curiosidade. 12 O Amor Sob Disfarce.indd 12

05/10/12 09:51


A moça suspirava e passava os dedos pela haste da taça enquanto suas pálpebras caíam e seu rosto se afundava em uma demonstração ensaiada de derrota. – Eu estava esperando alguém, sim, meu namorado, mas acho que ele não vai aparecer... nunca mais. – Sinto muito – falou o homem em uma fraca tentativa de sinceridade. – Eu não quis... – Não, não, tudo bem – ela se apressou em interromper. – Prova­ velmente é melhor assim. Ele não era o cara certo para mim mesmo – falou ela com um suspiro. – Ou, pelo menos, vou tentar me convencer disso. – Estavam juntos há muito tempo? A moça do vestido preto parecia encontrar um humor incomum nessa pergunta, e riu por dentro. – Na verdade, não. Quase um mês, o que é bem típico de todos os meus relacionamentos. Quero dizer, acho que provavelmente nem é tempo o bastante para chamá-lo de “namorado”. Pelo menos foi o que minhas amigas tentaram me dizer. Tirei uma lição, né? Ela levou a taça até os lábios e deu outro grande gole. Nunca houvera melhor oportunidade para se apresentarem, e ele nunca estivera tão ansioso por isso. – Meu nome é Todd – disse ele, estendendo a mão. – Todd Langley. Ela apertou a mão dele com um sorriso gentil. – Keira Summers. É um prazer conhecê-lo. R – Então a noite inteira foi armada? A advogada da saia-lápis e blusa de seda já estava andando por toda a sala agora, caminhando de um lado para o outro enquanto falava, como se estivesse participando de uma maratona no tribunal em prol da pesquisa contra o câncer. – Nada é real: a história que ela conta, o modo como conta, nem o nome dela é. 13 O Amor Sob Disfarce.indd 13

05/10/12 09:51


Assenti com a cabeça, sentindo-me meio acuada pela pergunta, mas dissimulando bem. Era assim que funcionava, era assim que todos trabalhavam. Ela questiona meus métodos na tentativa de desacreditar meu testemunho; aí, quando ela não consegue, não sobra nada para a defesa fazer. Porém, mesmo estando familiarizada com a estratégia, ainda me fazia tremer de leve por dentro. – Sim – declarei, tocando a umidade na minha testa com a ponta do meu dedo. – A funcionária informa ao indivíduo um nome falso e uma história ou coisas sobre si mesma previamente elaboradas baseado no que pode chamar a atenção dele. É projetado para facilitar a conversa. – Então várias funcionárias trabalham para você na sua agência? – perguntou ela, parando na minha frente. Era mais uma declaração do que uma pergunta, como havia sido a maioria das indagações, mas respondi assim mesmo. – Sim – voltei a dizer. – Tanto mulheres como homens. – E homens? – ela repetiu, divertindo-se um pouco com a minha resposta. Assenti com a cabeça. A verdade era que havia apenas um homem trabalhando para mim, pelo menos até o momento. Se a demanda crescesse, certamente contrataria mais. Porém, eu preferia não informar nenhum detalhe sobre as operações internas do meu negócio. Afinal de contas, era para ser um estabelecimento sigiloso, motivo pelo qual a advogada que andava na minha frente havia concordado em não divulgar o nome da agência. – Sério? – ela confirmou. – Então, maridos vão até você pedindo inspeções de fidelidade também? O advogado de defesa lançou um olhar ofendido e levantou a mão. – Objeção. Qual é a relevância disso? A advogada da sra. Langley se dirigiu à juíza de cabelo grisalho que estava sentada à minha direita. – Estou apenas tentando estabelecer a testemunha como um elemento imparcial cuja empresa oferece suporte igualitário para ambos os gêneros. A juíza assentiu em resposta. – Negada. Pode continuar. 14 O Amor Sob Disfarce.indd 14

05/10/12 09:51


– Obrigada, Meritíssima – falou, voltando para mim, não se dando ao trabalho de repetir a pergunta; apenas aguardou que eu respondesse. – Sim – declarei. – Houve vários maridos que nos contrataram para testar suas esposas. – E você também serviu como testemunha em alguns processos de divórcio resultantes, correto? Eu não aprovava seu uso das palavras “processos de divórcio resultantes”, como se a minha agência fosse a única responsável pela taxa de divórcio neste país. É verdade que a maioria desses casais ainda estaria junta se seus cônjuges não tivessem sido reprovados na inspeção de fidelidade, mas eu gostava de pensar que era mais para “acordar” as pessoas para a verdade do que “inspirar” o divórcio. É claro que não me manifestei sobre sua escolha de palavras e simplesmente respondi: – Sim. – E qual é o seu papel nessas inspeções? – Eu me encontro com a cliente, reúno todas as informações e aí designo o caso para a funcionária que acredito ser a mais adequada para lidar com ele. A advogada da sra. Langley deixou seu bloco de anotações em cima da mesa para poder usar as duas mãos para animar a complexidade de sua declaração/pergunta seguinte. – Então, em outras palavras, você combina cada indivíduo, neste caso o sr. Langley, com sua fantasia... ideal. Dei de ombros. – Acho que dá para dizer. – Sim ou não – devolveu. Fiz uma pausa, passando os olhos pelo tribunal e parando nos assentos vazios do júri. Imediatamente fiquei imaginando o que os doze dos meus supostos pares teriam pensado sobre o que estava prestes a dizer. Teriam me julgado por isso? Ou será que teriam me respeitado porque eu estava verdadeiramente tentando ajudar outras pessoas? Do mesmo jeito que estava tentando ajudar a sra. Langley hoje, nesse tribunal úmido e sem ar-condicionado no Condado de Westchester. – Sim. 15 O Amor Sob Disfarce.indd 15

05/10/12 09:51


– Hum – disse a advogada da sra. Langley, pegando uma caneta esferográfica e começando a usá-la como instrumento para enumerar os pontos em suas frases seguintes. – Então, a sra. Langley entrou no seu escritório, contou que estava preocupada com o comportamento do marido dela nas viagens de negócios, você escolheu a funcionária que acreditou ser sua mulher ideal, depois ela o encontrou em um bar de hotel em Seattle, disse que seu nome era algo que não era, iniciou uma conversa com ele baseada em fatos inventados os quais era provável que chamassem sua atenção e esperou para ver se ele trairia sua esposa com ela. – Na verdade, é a intenção de trair que testamos, não... A mulher lançou um olhar que me pedia apenas para dizer sim para que pudéssemos prosseguir. – Desculpe-me. Sim. Ela torceu a cara em uma expressão de desgosto e deixou escapar uma risada sarcástica. – Mas isso não é flagrante preparado? – Objeção, Meritíssima – interrompeu novamente o advogado do sr. Langley. – Ela está induzindo a testemunha, tentando desacreditar meu argumento. – Só estou fazendo a pergunta cuja resposta acho que todos neste tribunal estão morrendo de vontade de saber – argumentou calmamente a advogada da sra. Langley. Olhei ansiosamente para a juíza ao meu lado. Ela parecia completamente imersa nessa interrogação. – Negada – decidiu após um momento de deliberação. Aí, virou-se para mim. – Pode responder à pergunta. Suspirei baixo, aliviada por essa pergunta específica não ficar suspensa no limbo jurídico. – Não é flagrante preparado – declarei em tom firme. Era um assunto que levava muito a sério. Há uma linha tênue entre inspeção e armadilha, e eu tomava todas as precauções para me certificar de que meu negócio permanecesse do lado certo. – Minhas funcionárias têm instruções explícitas para seguir, e não conduzir – continuei. – Como foi no caso do sr. Langley, a funcionária não tinha permissão para iniciar nada. Toda e 16 O Amor Sob Disfarce.indd 16

05/10/12 09:51


qualquer sugestão de aprofundar a intimidade foram deixadas unicamente a critério dele – contei. Ao final da minha frase, percebi que minha voz havia começado a soar meio defensiva. Fiz uma pausa e respirei fundo, lembrando a mim mesma para não ficar exaltada. Tinha uma tendência a ficar assim toda vez que alguém mencionava o assunto. Digamos que era um ponto fraco. – Em outras palavras – comecei, mais calma e mais controlada –, o sr. Langley fez uma escolha consciente de trair sua esposa. Ele não foi vítima de uma armadilha. R Duas horas haviam passado desde que Todd Langley se sentou no banco do bar ao lado da linda e delicada Keira Summers. Haviam conversado sobre todos os assuntos, desde religião até política, passando por ícones do pop. Agora, ele estava sentado próximo o bastante para tocar a pele nua do braço dela ou o ombro sem precisar esticar o braço. E ele havia tocado, várias vezes, quase todo minuto na hora que passou, na verdade. Cada piada, cada opinião que compartilharam, cada conexão aparentemente legítima tinha sido, na cabeça dele, motivo para mais um breve contato com sua pele macia e impecável. Ele simplesmente não conseguia resistir – e o fato de Keira não parecer se importar nem um pouco apenas alimentava sua vontade de tocá-la novamente. Todd chamou o barman e pediu mais duas taças de Pinot Noir, mas Keira rapidamente o interrompeu com uma risada levemente intoxicante e disse: – Na verdade, acho que já chega para mim – falou e olhou para o seu relógio. – Além do mais, está ficando meio tarde. Na realidade, ela poderia facilmente ter bebido o dobro do que bebera e ainda conseguiria convencer um policial com sucesso de que havia passado a noite toda tomando refrigerante. Uma alta tolerância ao álcool era um requisito padrão para este trabalho. A moça que ficava tonta, engraçadinha e desinibida depois de duas taças de vinho era somente uma ilusão, uma personificação de tudo o que a esposa dele não era. – Por quê? Que horas são? – perguntou Todd. 17 O Amor Sob Disfarce.indd 17

05/10/12 09:51


– 23h45 – respondeu ela, pegando suas coisas e saindo do banco do bar. – Realmente tenho que ir para casa, e você não tinha dito que tinha um voo de volta para Nova York amanhã cedo? Mas ele não respondeu. A essa altura, estava com dificuldade para formar uma frase coerente, mesmo que consistisse apenas da palavra “sim”, porque seu cérebro estava concentrado em apenas uma única pergunta: Será que realmente podia deixar uma mulher como essa sair daqui? A resposta imediatamente pareceu evidente, mesmo que as fotografias desbotadas de sua esposa e filhos parecessem estar queimando o couro de sua carteira e através do tecido de sua calça, ameaçando chamuscar sua pele. Quando muito, essas fotos que queimavam apenas o faziam agir mais rápido, antes que pudessem deixar qualquer cicatriz permanente. – Quem sabe você poderia subir comigo? – soltou ele, abandonando toda e qualquer tentativa de soar galante e cortês. Keira riu timidamente com o convite. Era a reação perfeita. Constrangimento não podia combinar com completa confiança, especialmente com um homem como Todd Langley, que estava mais do que acostumado a encontrar nada além de esmagadora confiança em casa. Não, o constrangimento tinha que combinar com constrangimento mútuo, do tipo mais carinhoso. – Desculpe-me – ele começou, com dificuldade para encontrar palavras. – Não quis que soasse desse jeito. É que... – Está bem – respondeu Keira, olhando para o chão. – Está bem? Ela assentiu timidamente, colocando uma mecha do seu cabelo atrás da orelha. – Eu poderia me distrair um pouco hoje à noite. Todd soltou um suspiro de alívio enquanto um grande sorriso iluminou seu rosto. – Está bem. Ele colocou sua mão suavemente nas costas dela e a conduziu para fora do bar do hotel, pelo saguão e para dentro de um elevador que estava à espera para levá-los para cima. 18 O Amor Sob Disfarce.indd 18

05/10/12 09:51


R Nessa hora, um sorriso dissimulado apareceu no rosto da advogada da sra. Langley. – Está dizendo que o sr. Langley foi reprovado na sua inspeção de fidelidade? Olhei para as minhas anotações. A essa altura, era um movimento desnecessário. Eu estivera me preparando para esta tarde pelas últimas duas semanas, mas algo me incitou a fazê-lo. Talvez as anotações me fizessem parecer mais confiável, mais bem preparada – ou talvez porque só havia realmente uma única palavra que eu estava aqui para dizer. – Sim. – Não tenho mais perguntas, Meritíssima – declarou ela confiante, antes de se sentar ao lado da sra. Langley e colocando seu bloco de anotações à sua frente. Ela pegou sua caneta com a mão esquerda, mostrando elegância e prontidão, como se aquele instrumento de escrita fosse tudo o que iria custar para derrotar o inimigo que se sentava do outro lado da sala. Olhei para a esquerda e vi o advogado do sr. Langley começar a se levantar de seu assento. Ele abotoou o único botão de seu paletó antes de se aproximar longa e lentamente do banco de madeira onde eu estava. Minha intuição me alertou que ele não seria nada além de cruel. Podia ver pela sua cara, no jeito como passeava até mim. A intimidação era o modo como vivia sua vida, como criava os seus filhos, falava com suas secretárias, devolvia a comida do restaurante para a cozinha. Acima de tudo, era o modo como interrogava suas testemunhas. Eu sabia que não deveria me preocupar. Já havia lidado com homens intimidadores várias vezes e sobrevivi para contar, mas não consegui evitar me sentir ansiosa... até mesmo nervosa. Era a droga da parcialidade mostrando seu lado ruim novamente. Queria poder não me importar, não me sentir como se precisasse desta vitória tanto quanto a sra. Langley precisava. Queria poder... – Como é o seu nome mesmo? – perguntou ele quando chegou à minha frente. 19 O Amor Sob Disfarce.indd 19

05/10/12 09:51


– Ashlyn – declarei simplesmente. Ele abriu um sorriso de desdém. – Quero dizer, qual é o seu nome verdadeiro? Antes mesmo que eu tivesse tempo de reagir, a advogada da sra. Langley disparou de seu assento como um foguete. – Objeção, Meritíssima. A testemunha aceitou depor sob anonimato, já que a confidencialidade é parte integral do negócio dela, sem falar na segurança de suas funcionárias – disse ela, batendo numa pilha de papéis em cima da mesa. – Tenho cinco casos anteriores aqui que documentam que o tribunal permite à testemunha dar um depoimento anônimo sob condições semelhantes. Ela não deve ser pressionada a divulgar nenhum detalhe pessoal sobre si mesma, já que são irrelevantes para este caso. O advogado do sr. Langley levantou as mãos em sinal de frustração. – Só estou tentando estabelecer a credibilidade da testemunha! Se ela não vai dar seu nome verdadeiro, como podemos sequer confiar que está nos fornecendo fatos verdadeiros? – Objeção aceita – decidiu a juíza. – O nome verdadeiro da testemunha não tem relação com o seu depoimento. Próxima pergunta. A advogada da sra. Langley voltou para o seu assento, visivelmente satisfeita. Com a cabeça, ela fez um aceno encorajador para mim. – Está bem, Ashlyn – começou o homem na minha frente, não se esforçando em esconder seu tom de deboche. – Você estava presente durante essa coisa de fidelidade do meu cliente? – Inspeção de fidelidade – esclareci, com dificuldade para mascarar meu aborrecimento. – E não, não compareço à maior parte das inspeções. – E por quê? – Porque confio totalmente nos meus funcionários; portanto, não tenho motivo para atravessar o país por cada um deles. Além disso, há muitas inspeções para que eu possa estar presente em todas. Teria de ser clonada... muitas vezes. O advogado do sr. Langley assentiu com a cabeça, comprimindo os lábios em profundo pensamento. – Hmmm. Muitas pessoas desconfiadas por aí, hein? Respondi encolhendo os ombros, não querendo me comprometer. 20 O Amor Sob Disfarce.indd 20

05/10/12 09:51


– Então como é que fica sabendo o que acontece durante essas missões? Pousei minhas mãos no colo. – Peço aos meus funcionários que providenciem descrições detalhadas em forma de anotações e relatórios pós-missão. Além disso, realizamos reuniões semanais em que todos os funcionários contam oralmente os resultados de suas missões. Não tenho dúvidas de que posso recontar efetivamente, em grandes detalhes, os acontecimentos do caso do sr. Langley. – Então deixe eu ver se entendi – começou ele, batendo seu dedo de modo pensativo contra o lábio inferior. – Basicamente, você está dando a entender que temos de basear a divisão de bens entre o sr. e a sra. Langley na sua palavra, que, por sua vez, é baseada na palavra de outra pessoa? – Objeção! – soltou novamente a advogada da sra. Langley. – Será que sequer preciso me manifestar? A juíza assentiu. – Reelabore sua pergunta, advogado. O advogado do sr. Langley se voltou à juíza com ofensa ensaiada nos olhos. – Desculpe-me, Meritíssima, é que estamos aqui para decidir se meu cliente, um pai e um marido amoroso e dedicado, tem direito a metade dos bens de sua esposa, uma soma que pode chegar a 3,5 milhões de dólares, e tudo o que temos para nos guiar são as anotações desta mulher? Sinceramente, nem sei por que ainda estamos aqui. – Aprecio sua opinião, advogado – respondeu a juíza calmamente –, mas eu vou decidir se o depoimento dela é útil ou não. Acho que você apenas deveria continuar a fazer perguntas à sua testemunha. O homem curvou levemente sua cabeça em sinal de submissão. – Claro, Meritíssima, mas, com base na minha forte opinião de que esta testemunha não tem credibilidade, não tenho mais perguntas. A juíza assentiu e depois se voltou para mim. – Pode se retirar. Não foi tão ruim assim, pensei, surpresa, enquanto colocava minhas anotações dentro de minha maleta e a fechava. Eu esperava uma demonstração de valentia muito maior desse cara; e, a julgar pela confusão no rosto de Todd Langley, acho que ele também esperava. 21 O Amor Sob Disfarce.indd 21

05/10/12 09:51


Estava me sentindo bem com meu depoimento; confiante, esperançosa. Era uma emoção que eu não costumava atrelar às características do meu trabalho. Sempre me esforcei para evitar a “esperança” quando se tratava de vidas e relacionamentos dos outros, porque simplesmente há fatores demais fora de nosso controle. Porém, recentemente, de alguma forma, a “esperança” tinha conseguido passar despercebida pelo radar e, quando me dei conta de que estava ali, foi muito difícil não me apegar a ela. Moral da história: eu queria essa vitória. As partes traseiras das minhas pernas agradeceram quando me levantei da desconfortável cadeira de madeira, e ouvi um pequeno estalo vindo do meio da minha lombar. No entanto, enquanto descia o primeiro degrau rumo à liberdade, ouvi o advogado do sr. Langley dizer: – Na verdade, eu tenho mais uma pergunta. A juíza assentiu; eu emiti um grunhido e voltei a me sentar. O advogado do sr. Langley se apoiou na mesa e fingiu profunda contemplação, com as palmas de suas mãos pressionadas uma contra a outra e as pontas dos dedos sustentando o queixo. – Você mencionou antes no seu depoimento algo sobre uma “intenção” de trair. O que isso significa exatamente? R A pressão dos lábios de Todd sobre os dela era intensa. Ele fez uma pausa breve e tomou um instante para admirar a mulher que agora estava deitada na cama do hotel antes de se inclinar para beijá-la novamente. Tinha gosto de paraíso misturado com Estancia Pinot Noir. Ela gemeu suavemente, e isso deu a ele coragem para avançar mais. Sua mão começou a se reposicionar sob o vestido dela. Mas não conseguiu chegar lá. – Espere... – disse Keira, empurrando-o de leve contra o seu braço. – Tem certeza de que quer fazer isso? Todd soltou um suspiro profundo e cheio de desejo. – Mais do que pode imaginar. Ela colocou um único dedo sobre os lábios deles e cochichou: – Então eu volto logo. 22 O Amor Sob Disfarce.indd 22

05/10/12 09:51


Ela se sentou e saltou da beirada da cama. Seu movimento era tão fluido, tão ensaiado, que quase o deixou em alerta. Quase. Sua expectativa alucinada era forte o bastante para bloquear qualquer pensamento de alerta. A luz do banheiro foi ligada e jogou uma sombra borrada no quarto. Ele ouviu o som de água saindo da torneira e deitou-se virado para cima, olhando para o teto com um sorriso bobo e infantil estampado no rosto enquanto esperava impaciente Keira Summers voltar. Ou, mais importante, pela promessa do que estava por vir quando ela voltasse. Mal sabia ele... que ela já tinha ido embora. A luz no banheiro permaneceu ligada, e a água continuou a correr por, pelo menos, cinco minutos até ele resolver verificar. Mas, a essa altura, a moça do vestido preto e todos os traços do que representava haviam sumido. Até o seu cheiro remanescente havia começado a desaparecer. Depois de fechar a torneira e de ficar parado perplexo no meio do banheiro, olhando para os frios azulejos brancos no chão, ele chegou a começar a pensar se ela sequer estivera ali. Talvez fosse coisa de sua imaginação, uma aparição de embriaguez e desespero. Ainda que fosse apenas entender completamente as verdadeiras consequências da ausência repentina dela alguns dias depois, quando voltou para casa e descobriu que a chave não abria a porta, um fraco zunido já estava ressoando em seus ouvidos, um sinal de alerta mostrando que algo não estava batendo, que loiras lindas em vestidos pretos justos não apareciam e desapareciam simplesmente sem razão alguma. R – Então, no fim das contas, você não tem nenhuma prova física de que o meu cliente, o sr. Langley, teria realmente prosseguido com a relação sexual? Eu podia sentir a atitude defensiva se instalando na minha voz. – A inspeção de fidelidade é projetada para ter absoluta certeza que a intenção de infidelidade está... – Basta sim ou não – interrompeu o advogado do sr. Langley, com um sorriso convencido estampado na cara. 23 O Amor Sob Disfarce.indd 23

05/10/12 09:51


Suspirei, e me desanimei um pouco. – Não, não tenho. – Então, teoricamente, se a sua funcionária não tivesse saído antes de o fato ter se consumado, o sr. Langley poderia facilmente ter interrompido a ação. – Na teoria, sim, mas... – Obrigado – ele voltou a interromper, claramente não preocupado com boas maneiras a essa altura. – Então acho que a única pergunta que ainda tenho é por que a testemunha pensa que uma intenção de trair é a mesma coisa que trair. Uma tendência de infidelidade não é um ato de adultério. É simplesmente o julgamento de caráter de uma pessoa; e provavelmente nem é um julgamento preciso. Respirei fundo e falei com o máximo de convicção que consegui. – Meus funcionários não realizam nenhuma atividade sexual. Do contrário, seria prostituição. Administro um negócio legal e é por isso que meus funcionários testam os indivíduos unicamente para uma intenção de trair. Mas estou totalmente confiante de que, se minha funcionária não tivesse abandonado o quarto de Todd Langley naquela noite, ele teria transado com ela. – Bom, obrigado por isso – declarou o advogado do sr. Langley com desdém depois de uma breve pausa. – Mas se a testemunha não tem prova física da infidelidade para compartilhar conosco, então não tenho mais perguntas, Meritíssima. A juíza assentiu. – Você pode se retirar – informou-me pela segunda vez, e aí voltou o seu foco para o resto do tribunal. – Voltaremos a nos reunir amanhã de manhã e aí tomarei uma decisão – disse, juntando sua papelada e retirando-se da sua mesa. – Na verdade – interrompi, levantando a mão com hesitação. – Posso dizer mais uma coisa? A advogada da sra. Langley disparou um olhar do tipo “o que pensa que está fazendo?”, mas eu o ignorei e falei diretamente à juíza, porque ela era a única espectadora com a qual me importava a essa altura, a pessoa 24 O Amor Sob Disfarce.indd 24

05/10/12 09:51


que tinha controle sobre todos os fatores externos que me mantinham afastada de situações como esta. – Prossiga – permitiu ela. Eu não sabia se o que estava prestes a dizer ajudaria de alguma forma, mas estava quase certa de que provavelmente não faria mal. Por isso, resolvi que valia a pena tentar. – Aprendi, no decorrer da minha vida, que trair é um termo subjetivo. Geralmente, o sexo não tem nada a ver com ele. O sr. Langley pode não ter fisicamente traído sua mulher, pelo menos não com minha funcionária, mas a traição estava lá muito antes de ela ter entrado no quarto dele. Um longo silêncio se seguiu. Foi só então que arrisquei olhar nos olhos de Todd Langley, o homem que havia seduzido uma de minhas funcionárias, convidado-a para ir até o seu quarto, tocado sua pele, beijado sua boca e demonstrado todas as intenções de fazer exatamente o que ele havia prometido nunca fazer. Os pensamentos dele eram, para mim, claros como o dia: ele achou que tinha boas razões – que tinha direito – para ter feito as escolhas que fez com Keira Summers. O leve sorrisinho no rosto dele me dizia que não se arrependia do que fez: apenas se arrependia de ter sido pego. Depois olhei para a sra. Langley. Suas feições duras nada revelaram durante todo o depoimento e certamente não estavam revelando nada agora. Aqui estava uma mulher que havia batalhado para chegar ao topo apesar de todas as probabilidades que jogavam contra ela, apesar de toda a tensão que seu salário superior causava em casa. E agora seu futuro ex-marido estava tentando ficar com metade de tudo pelo que trabalhou, mesmo que tenham sido as ações dele que os levaram a este tribunal. Eu não precisava ver a dor rabiscada no rosto dela para saber que estava lá. A mulher que nunca demonstra sempre sente o dobro por dentro. A juíza finalmente respondeu à minha declaração com um vago aceno de cabeça, do tipo que apenas indicava que tinha me ouvido, mas não necessariamente prestara atenção. Procurei no rosto dela algum sinal de persuasão, mas era como olhar para um quadro de pintura abstrata pendurado na parede da sala de um rico colecionador, uma tela vermelha 25 O Amor Sob Disfarce.indd 25

05/10/12 09:51


com apenas um pontinho preto perto do meio. Era dificĂ­limo determinar o que aquele ponto representava. Aparentemente, eu teria que esperar, como todos nessa sala, atĂŠ amanhĂŁ para descobrir se minha aposta emocional estava do lado certo. Tudo o que podia fazer era me retirar do assento da testemunha, sair pela porta e esperar que tivesse feito o bastante. Foi o que fiz.

26 O Amor Sob Disfarce.indd 26

05/10/12 09:51




Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.