Rio

Hospital de Saracuna vive dias de incerteza

Sem pagamentos, OS deixará a unidade na terça-feira; estado promete escolher nova gestão na véspera
Fila para visita. Parentes de pacientes lamentam a saída de funcionários e temem um adiamento de cirurgias
Foto: Antonio Scorza
Fila para visita. Parentes de pacientes lamentam a saída de funcionários e temem um adiamento de cirurgias Foto: Antonio Scorza

RIO - No maior hospital público da Baixada Fluminense, não há mais macas com pacientes nos corredores. Na verdade, estão sobrando leitos no Adão Pereira Nunes, mais conhecido como Hospital de Saracuruna, em Duque de Caxias. No setor de pediatria, só uma criança era atendida na tarde do Feriado da Proclamação da República, terça-feira passada. Enquanto ela tomava um remédio, parte dos 2.600 funcionários da Pró-Saúde, Organização Social (OS) que deixará a unidade daqui a três dias, fazia fila para o exame médico demissional.

Nas enfermarias, onde muitas pessoas esperam cirurgias, a apreensão é grande. Vários pacientes têm operações marcadas para as próximas semanas. Outros não receberam qualquer prazo da equipe médica que ainda trabalha na unidade, localizada às margens da Rodovia Washington Luís. Eles elogiam a dedicação dos profissionais, que, no entanto, lidam com a dura realidade da falta de insumos para um atendimento adequado.

Enfermeiros disseram para Rafaela Rodrigues, cujo irmão está internado com um tornozelo quebrado, que o hospital não tem os medicamentos necessários à cirurgia.

— Ele entrou no hospital na segunda-feira. Disseram que seria operado na semana seguinte, depois marcaram para o dia 29. Ao mesmo tempo, admitem que não têm certeza disso — reclamou Rafaela, que mora com a família em Mauá, distrito de Magé.

Na sexta-feira encerrou o prazo  para a entrega das propostas dos interessados em assumir a administração. Mas o resultado sobre quem venceu a licitação só será conhecido nesta segunda-feira através de publicação no Diário Oficial. Mas, não importa quem for, terá de gastar no mínimo R$ 50 milhões menos do que seu antecessor. O edital da licitação para a nova OS que irá administrar a maior unidade da Baixada está orçado em R$ R$ 198.000.000,00, valor de custeio máximo. O último gestor, a OS Pro Saúde que pediu desfiliação por inadimplência do estado, recebeu do estado R$ 247.6 milhões em 2015 para o mesmo trabalho.

NÚMERO DE CIRURGIAS CAIU

No relatório de prestação de contas de agosto, quando foram feitas 394 cirurgias, a Pró-Saúde lamentou o baixo número de operações. “Isso impacta de forma avassaladora no tempo médio de permanência geral e na taxa de ocupação, em decorrência das dificuldades de abastecimento de insumos básicos, de OPME (órteses, próteses e materiais especiais) e da restrição no fluxo de esterilização de material hospitalar, situação que vem se mantendo e se agravando desde o início do ano”, diz um trecho do documento.

Em agosto do ano passado, foram feitas 629 cirurgias na unidade. A queda de 37% na comparação ainda teria como causa a falta de um aparelho de tomografia e um aumento do número de pacientes crônicos que não encontram vaga na rede referenciada.

— Eu já vi esse hospital com mais de 30 pessoas internadas nos corredores — contou a filha de uma paciente internada. — Era ruim, claro, mas as operações saíam. Agora está mais vazio e, por incrível que pareça, pior. No setor de ortopedia, uma senhora que aguardou dois meses por uma cirurgia na coluna acabou sendo transferida para o Hospital Miguel Couto, na Gávea. Uma outra esperou quatro meses para operar o fêmur.

A instrutora de autoescola Esther Dias, moradora de Piabetá, em Magé, também está angustiada com a situação. Seu filho Ronald, de 20 anos, espera uma segunda cirurgia no joelho direito, fraturado em um acidente de trânsito.

— Ele sofreu o acidente no último dia 9, ficou com o osso exposto e foi operado aqui para a reconstrução dos ligamentos. Mas, cinco dias depois, descobriram uma fissura. Para colocarem um pino, o prazo, hoje, é de pelo menos 15 dias. Sou uma mãe desesperada. Tinha um paciente na mesma enfermaria que foi embora, desistiu de esperar quase dois meses pela mesma cirurgia. Meu medo é ver meu filho pegar uma infecção hospitalar — disse Esther.

Pacientes e familiares compartilham não só preocupações, mas também elogios.

— A situação é triste, todo mundo que trabalha no hospital faz o máximo que pode. Os enfermeiros dão até comida na boca da gente — afirmou uma paciente.

O trabalho que ganha elogios não está sendo remunerado conforme o previsto. Funcionários da Pró-Saúde contaram que recebem salários com atraso há um ano, e, agora, não sabem se verão o dinheiro da rescisão e o valor proporcional ao 13º.

— As pessoas sabem que a gente se esforça, que há uma grande dose de amor no que fazemos. É por isso que todos estão tristes, tanto pacientes quanto funcionários. Gostamos de trabalhar aqui — disse um fisioterapeuta.

REPASSES INCOMPLETOS

A Pró-Saúde informou que, em 21 de junho, pediu à Secretaria de Saúde para deixar o Hospital Adão Pereira Nunes, cuja gestão assumiu em agosto de 2013. Quatro dias depois, o estado solicitou sua permanência para viabilizar uma transição de gestão, com a promessa de regularização dos pagamentos. A Pró-Saúde destacou que não recebe repasses integrais desde dezembro do ano passado.

A OS, que administra outras cinco unidades do estado, inclusive o Instituto do Cérebro e o Hospital Getúlio Vargas, não quis informar o tamanho da dívida do estado referente ao Adão Pereira Nunes.