Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Bolsonaro atrai homens-bomba, e os do Hizbullah são os menos perigosos

Decisão de chamar grupo de terrorista é mais um ponto de desgaste do presidente com órgãos de Estado

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Quando historiadores do futuro olharem com curiosidade para os tempos estranhos em que vivemos, talvez salte a seus olhos a ligeireza com que temas importantes eram tratados pelo presidente do Brasil.

Isso não é só incapacidade intelectual, mas também método dissuasório, buscando redirecionar o foco rapidamente. Donald Trump fez escola, afinal, e vai se dando bem até aqui.

Nesta terça (20), Jair Bolsonaro foi questionado acerca da possibilidade de o Brasil declarar o grupo libanês Hizbullah como uma entidade terrorista. Com aquele jeito de quem comenta o conserto da janela de casa, disse: “Pretendo fazer isso aí. Eles são terroristas”.

Há inúmeras razões para considerar o Partido de Deus um grupo terrorista. Ele promoveu atentados politicamente motivados em vários países do Oriente Médio e foi suspeito de envolvimento no maior ataque do gênero na América Latina, contra uma entidade judaica de Buenos Aires, em 1994.

Ainda assim, o Brasil evita a denominação, assim como a maior parte dos países do mundo. Por quê? O Hizbullah pratica terror quando lhe é conveniente, ainda que tenha abandonado progressivamente seu pioneiro uso de suicidas.

Integrantes do Hizbullah em motocicletas no vilarejo de Aitaroun, no Líbano, durante parada que marcou o 13º aniversário do fim da guerra com Israel
Integrantes do Hizbullah em motocicletas no vilarejo de Aitaroun, no Líbano, durante parada que marcou o 13º aniversário do fim da guerra com Israel - Mahmoud Zayyat - 15.ago.2019/AFP

É importante pedaço da complicada malha social do Líbano, comanda efetivamente o sul do país e tem uma força militar profissional, que dá trabalho diuturno a Israel e participou ativamente do salvamento da ditadura síria na guerra civil do vizinho.

Logo, a simplificação não ajuda a entender o Hizbullah, nem a contê-lo. A hipocrisia está na conta também: o Conselho de Segurança da ONU também não o lista como terrorista porque a Rússia, com a China a tiracolo, têm poder de veto e não concorda com os selos americanos a inimigos – certos ou errados.

Moscou, particularmente, não quer agastar a ditadura aliada na Síria nem seus parceiros de ocasião no Irã, o verdadeiro patrono do Hizbullah. A vida como ela é, mas o Itamaraty se escora na ausência da condenação oficial.

É prático, até porque chamar o Hizbullah de terrorista não traz ganho nenhum ao Brasil além da comprovação de uma fidelidade canina que Bolsonaro e seu chanceler têm dedicado a tudo o que for norte-americano.

Antes que alguém grite “Melhor é a Venezuela, não é?”, a resposta é não. Os anos do PT no poder, particularmente os de Lula (2003-10), foram embebidos num antiamericanismo pueril, que é tão deletério quanto o tal alinhamento automático preconizado pelos atuais inquilinos do poder.

Quem conhece bem os passos do Hizbullah, o serviço secreto israelense, não identifica riscos de atividade do grupo no Brasil. Isso mesmo sabendo do histórico de presença de membros da agremiação, famosa por esconder na chamada Tríplice Fronteira brasileira-argentina-paraguaia integrantes que precisam desaparecer de circulação.

A comunidade libanesa é forte por lá, como qualquer um que já foi a Foz do Iguaçu, e ela é de extração mais recente, xiita em muitos casos como o Hizbullah – sem ligação com a grande migração de maronitas que deu ao país sua rica e politicamente influente casta de “turcos” (o passaporte dos imigrantes árabes era do Império Otomano, de quem eram súditos).

Não é casual que diplomatas e militares estejam de orelha em pé com o plano. Politicamente, serve apenas aos EUA de Trump, a quem até aqui o Itamaraty havia estabelecido resistência em temas como a condenação do Irã na crise nuclear que se desenrola.

Do ponto de vista de segurança, abre potencial frente numa área em que o Brasil é especialmente sensível, suas fronteiras. Obviamente, se houver quaisquer novas informações relativas a atividades maliciosas do Hizbullah em solo brasileiro, a coisa muda toda de questão. Mas nada indica que haja.

Sem isso, o país pode ser exposto gratuitamente a retaliações de elementos mais radicais ligados ao Hizbullah. Se num dia admite a penúria de recursos de suas Forças Armadas, Bolsonaro devia pensar duas vezes antes de falar grosso contra inimigos imaginários por procuração de Washington.

Ah, mas lá ele quer emplacar o filhão como embaixador. A família sempre à frente, como todo bom cristão faria, distribuindo filé e blindagem contra investigações incômodas sobre elos com milícias. O fato de que irá indispor ainda mais o Itamaraty e militares não incomoda o presidente. Isso ficou provado com a briga comprada na Polícia Federal, na Receita e, agora, provavelmente no Ministério Público Federal.

De todos os homens-bomba que Bolsonaro vem convidando a agir com suas determinações, os do Hizbullah parecem ser os que oferecem menos perigo.

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