Saúde Ciência

Cientistas usam DNA sintético para armazenar arquivos digitais

Tecnologia tira vantagem da capacidade das moléculas do código genético de armazenarem grandes quantidades de informação em pequenos espaços

Ilustração de computador mostra a estrutura de dupla hélice do DNA: pesquisa mostra que sistema também pode ser usado para armazenar informações digitais
Foto: The Wellcome Trust/REUTERS
Ilustração de computador mostra a estrutura de dupla hélice do DNA: pesquisa mostra que sistema também pode ser usado para armazenar informações digitais Foto: The Wellcome Trust/REUTERS

RIO - Com cerca de 3 bilhões de “letras”, o genoma humano contém instruções suficientes para construir um organismo tão complexo quanto uma pessoa. Tudo isso, no entanto, está guardado em uma estrutura microscópica que cabe no núcleo de uma simples célula. Agora, cientistas decidiram usar esta gigantesca capacidade do DNA de armazenar informações em pequenos espaços para gravar arquivos digitais e depois recuperá-los de forma segura e confiável, demonstrando a viabilidade de uma tecnologia que pode mudar a forma como lidamos com a crescente quantidade de dados que produzimos e consumimos atualmente.

Em um experimento ousado, os pesquisadores Nick Goldman e Ewan Birney, do Instituto Europeu de Bioinformática (EMBL-EBI), criaram sequências genéticas artificiais nas quais codificaram um trecho de áudio do famoso discurso “I have a dream”, de Martin Luther King, em defesa dos direitos civis nos EUA; o texto de todos os 144 sonetos do escritor inglês William Shakespeare; uma foto do prédio do instituto no Reino Unido; e uma cópia em PDF do artigo dos anos 50 em que James Watson e Francis Crick descreveram a estrutura em hélice dupla do DNA. Eles então pediram que as sequências fossem sintetizadas em um laboratório na Califórnia e enviadas pelo correio dentro de um pequeno tubo de ensaio de volta para o instituto, onde sequenciaram o DNA e puderam reconstruir os arquivos digitais.

— Estava com Ewan em um bar em Hamburgo (Alemanha) e discutíamos a dificuldade que o EMBL enfrenta para armazenar a enorme quantidade de informações biológicas que ele produz, com bases de dados que crescem exponencialmente — relembra Goldman, coautor do artigo que descreve o processo, publicado na edição desta semana da revista “Nature”. — Pensamos qual seria a alternativa para os caros discos rígidos ou as fitas magnéticas atualmente em uso e então tivemos a ideia de que o DNA é uma forma muito compacta e robusta de armazenar informações, pois o extraímos dos ossos de mamutes com dezenas de milhares de anos de idade e ainda assim podemos reconstruí-lo. Além disso, o DNA é incrivelmente pequeno, denso e não precisa de nenhum tipo de energia para ser armazenado, o que o torna fácil de enviar e manter.

Com esta ideia na cabeça, Goldman e Birney partiram para a criação de um código que pudesse traduzir os zeros e uns dos arquivos digitais no “alfabeto” do DNA, composto de quatro “letras” — C, G, T e A, abreviaturas para as moléculas citosina, guanina, timina e adenina, nucleotídeos cujos pares formam o código genético dos seres vivos. Além disso, eles incluíram no código meios de correção para eventuais erros e formas de evitar os homopolímeros, como são chamadas as longas sequências do mesmo nucleotídeo (por exemplo, GGGGG, ou AAAAA), o que geralmente provoca falhas nos processos de síntese e sequenciamento de DNA.

Como resultado, cada sequência de oito zeros e uns dos arquivos digitais, como as relativas a uma letra dos textos de Shakespeare ou a um pixel na foto do laboratório, foi traduzida em uma “palavra” com cinco letras do DNA. Ao todo, os arquivos usados na experiência e seus códigos de correção e verificação tinham 757.051 destes conjuntos de oito zeros e uns, ou 739 kilobytes (Kb), que resultaram em 153.335 sequências de DNA, cada qual com 117 nucleotídeos.

Mas antes que você pense que a pesquisa ameace transformar as fotos ou músicas guardadas em seu computador em monstros mutantes, Goldman garante que é impossível o DNA sintético feito com seu código resultar em um organismo viável.

— Não temos absolutamente nenhuma intenção de brincar com a vida — afirma o pesquisador. — Evitamos deliberadamente seguir trabalhos de outros grupos que armazenaram pequenas quantidades de informações no genoma de seres vivos. Além do fato de que seria muito difícil fazer esta pesquisa devido a limitações éticas, seria ainda um problema para o armazenamento, pois os genomas já estão cheios de informações que os organismos precisam para viver e, se você mexer com isso, ele pode deixar de viver. O DNA que criamos não pode ser incorporado acidentalmente em um genoma. É um código completamente diferente do que as células de seres vivos usam. Se por acaso você acabasse com este DNA dentro de você, ele simplesmente iria se degradar e ser jogado fora. Não é algo que tenha lugar dentro de um organismo vivo.