Ilustração de Douglas do Amaral mostrando (da esq. para a dir.) Eduardo Araújo, Wanderley Cardoso, Wanderléa, Martinha, Roberto Carlos e Erasmo Carlos — Foto: Valor
A passagem dos anos 50 para os 60 foi significativa em várias áreas do comportamento. Mas, para a moda, ela foi crucial, por marcar a transição da alta-costura para o prêt-à-porter e por elevar a figura do jovem a ideal estético. E é sob essa ótica que a historiadora Maíra Zimmermann transformou em livro um fenômeno televisivo da época: a Jovem Guarda. A pesquisa de Maíra Zimmemann, feita primeiramente como tese de mestrado, deu origem ao livro "Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude", que sai pela editora Estação das Letras e Cores em março.
Impossível ignorar o apelo fashion do programa liderado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa. "A 'Jovem Guarda' (1965-1968) foi a primeira atração voltada a jovens e adolescentes, no Brasil", diz Maíra, que é professora da graduação de Design de Moda (Faap) e das pós-graduações em Direção de Criação em Moda e Design Gráfico (Faap). "O programa tinha o figurino e os cenários muito bem cuidados e foi o primeiro a trazer apresentadores que não usavam trajes de gala." Isso porque, "Jovem Guarda" emergiu junto com um estilo de vida "jovem rebelde" no Brasil dos anos 1960.
Imagens históricas de Erasmo, Wanderléa e Roberto Carlos com seus figurinos típicos: um estilo de vida "jovem rebelde" no Brasil dos anos 1960, o que convergia com o esforço da indústria cultural nacional em criar ídolos pop — Foto: Valor
"Tudo convergia com o esforço da indústria cultural nacional em criar ídolos pop, com inspiração no modelo britânico difundido pelos Beatles", explica Maíra. "As transformações comportamentais do período são analisadas dentro do contexto da formação do mercado consumidor adolescente, associado ao início do prêt-à-porter no Brasil", completa a historiadora.
Apesar da escassez de imagens do programa, que ia ao ar na época pela TV Record, Maíra analisou as sutilezas por de trás das roupas dos apresentadores. "No início, elas eram mais comportadas, como se a intenção fosse fazer o estilo ser aceito pelo público", diz Maíra.
"Com o tempo, e o sucesso, houve uma evolução, implantada em grande parte pela figurinista Regina Boni, que também cuidou da imagem dos músicos da Tropicália." Foi aí que a moda entrou em foco e mexeu com a cabeça das mocinhas da época, que, de acordo com a pesquisa de Maíra, saíam de casa de saias longas e, uma vez na rua, as enrolavam na cintura para ficarem mais curtas. "A roupa foi uma forma de combate e de expressão", diz a historiadora. "Entre 1966 e 1967 a moda mudou em Londres e isso se refletiu no Brasil, que teve a Jovem Guarda como grande fenômeno."
A rebeldia da moçada da época era expressa principalmente pelas microssaias e botas usadas pela cantora Wanderléa. "Ainda assim, ela mantinha um pé na sobriedade, porque escondia o colo com gola rolê", informa Maíra. Os homens do programa abusavam do corte de cabelo com franja à la Beatles. No figurino, predominavam calças ajustadas e de cores fortes, além de vários acessórios como anéis, óculos e chapéus. A combinação dessa estética com os acordes do rock and roll fez da trupe alvo de críticas até da classe artística. Mas, enquanto os conservadores faziam passeatas contra a guitarra elétrica, a moda mostrava que era impossível conter uma mudança em curso. E essa, especificamente, marchava ao som do iê-iê-iê.