O que o DIH afirma sobre o terrorismo?

22 janeiro 2015

QUAL É A POSIÇÃO DO CICV QUANTO AO TERRORISMO?
O CICV condena enfaticamente os atos de violência indiscriminada que
espalhem o terror entre a população civil. A organização condenou esses
atos em muitas ocasiões.

Extraído da publicação "Direito Internacional Humanitário: respostas às suas perguntas"

O Direito Internacional Humanitário (DIH) não oferece uma definição de "terrorismo", mas proíbe a maioria dos atos cometidos em um conflito armado que normalmente seriam considerados "terroristas". Um princípio básico estipula que os combatentes em conflitos armados devem distinguir em todo momento entre civis e combatentes e entre bens civis e objetivos militares. Este princípio de "distinção" constitui a pedra angular do DIH. Muitas normas com o intuito específico de proteger os civis – como a proibição de ataques deliberados ou diretos contra civis e bens civis, a proibição de ataques indiscriminados ou do uso de "escudos
humanos" – se derivam desse princípio. O DIH também proíbe a tomada de reféns. Descrever os atos deliberados de violência contra os civis e bens civis em situações de conflito armado como terrorismo não tem importância legal porque tais atos já constituem violações graves do DIH.

Além disso, o Direito Internacional Humanitário também proíbe "medidas" de terrorismo e "atos de terrorismo". O artigo 33 da Quarta Convenção de Genebra dispõe que "as penas coletivas, assim como todas as medidas de intimidação ou de terrorismo, são proibidas". O artigo 4° do Protocolo Adicional II proíbe "atos de terrorismo" contra pessoas que não participam ou deixaram de participar das hostilidades. O objetivo principal dessas disposições é enfatizar que nem indivíduos nem a população civil podem ser sujeitos a castigos coletivos, os quais, entre outras coisas, geram terror de maneira evidente. Os Protocolos Adicionais I e II também proíbem os atos que visem disseminar o terror entre a população civil: "São proibidos os atos ou ameaças de violência com o objetivo principal de espalhar o terror no meio da população civil" (ver artigo 51, parágrafo 2, do Protocolo Adicional I; artigo 13, parágrafo 2, do Protocolo Adicional II). Estas disposições não proíbem ataques legítimos contra objetivos militares que podem espalhar o medo entre os civis, mas proscrevem ataques no intuito específico de aterrorizar os civis – por exemplo, realizar campanhas de bombardeio ou ataque com franco-atiradores contra civis em áreas urbanas

Sendo que o DIH se aplica exclusivamente a conflitos armados, ele não regulamenta os atos de terrorismo cometidos em tempos de paz. Não obstante, tais atos estão sujeitos à lei, isto é, ao direito nacional e internacional, e em particular ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. Independentemente dos motivos dos perpetradores, os atos de terrorismo cometidos fora de conflitos armados devem ser tratados pelas agências locais ou internacionais de aplicação da lei. Os Estados podem tomar várias medidas a fim de evitar ou suprimir os atos de terrorismo, como o trabalho de inteligência, a cooperação policial e judicial, a extradição, as sanções penais, as investigações financeiras, o congelamento de ativos e a pressão diplomática ou econômica contra os Estados acusados de ajudar suspeitos de terrorismo.

E A CHAMADA "GUERRA CONTRA O TERRORISMO"??
Este termo foi utilizado para descrever uma série de medidas e operações com a finalidade de evitar e combater ataques terroristas. Entre estas medidas estão o trabalho de inteligência, as sanções financeiras e a cooperação judicial; também pode haver conflitos armados. A classificação legal do que frequentemente é chamado de "guerra mundial contra o terror" foi objeto de grande polêmica. Embora o termo tenha virado parte do linguajar cotidiano, ainda existe a necessidade de avaliar, à luz do Direito Internacional Humanitário (DIH), se consiste apenas em um instrumento retórico ou se é relativo a um conflito armado mundial no sentido legal. Com base na análise dos fatos disponíveis, o CICV não compartilha a visão de que uma guerra mundial esteja sendo travada; a organização adota uma abordagem de caso a caso para a classificação legal de situações de violência coloquialmente conhecidas como parte da "guerra contra o terror". Em outras palavras: o DIH é aplicável às situações em que a violência alcançar o limiar do conflito armado, quer internacional, quer não internacional. Nos casos em que isto não ocorre, outros ramos do direito são aplicáveis. Por exemplo, aspectos específicos da luta contra o terrorismo iniciada depois dos atentados contra os Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, chegam a ser um conflito armado conforme o DIH. A guerra travada no Afeganistão pela coalizão liderada pelos EUA, desde outubro de 2001, é um exemplo disto. As Convenções de Genebra e as normas do direito internacional consuetudinário eram plenamente aplicáveis àquele conflito armado internacional, que envolveu a coalizão liderada pelos EUA por um lado e o Afeganistão pelo outro. No entanto, grande parte da violência ocorrida em outras partes do mundo normalmente descrita como "terrorismo" é perpetrada por grupos (redes) de organização débil ou indivíduos que compartem uma mesma ideologia no melhor dos casos. A caracterização desses grupos e redes como partes em qualquer tipo de conflito armado não é clara. O "terrorismo" é um fenômeno. Tanto no sentido prático quanto legal, não é possível fazer uma
guerra contra um fenômeno, mas apenas contra uma parte identificável em um conflito armado. Por estes motivos, seria mais adequado falar em uma "luta multifacetada contra o terrorismo" do que em uma "guerra contra o terrorismo".

QUE LEIS SE APLICAM ÀS PESSOAS DETIDAS NA LUTA CONTRA O TERRORISMO??

  1. 1. As pessoas detidas em relação a um conflito armado internacional, travado como parte da luta contra o terrorismo – como no caso do Afeganistão até a formação do novo governo em junho de 2002 – são protegidas pelo DIH aplicável aos conflitos armados internacionais.

  2. a) É preciso conceder aos combatentes capturados o estatuto de prisioneiro de guerra e eles podem permanecer presos até o fim das hostilidades ativas nesse conflito armado internacional. Os prisioneiros de guerra não podem ser julgados exclusivamente por terem participado das hostilidades, mas sim por qualquer crime de guerra que possam ter cometido. Neste último caso, podem permanecer presos até terem cumprido qualquer pena imposta. Se o estatuto de prisioneiro de guerra de um prisioneiro estiver em dúvida, deve-se constituir um tribunal competente a fim de decidir sobre a questão.

    b) Os civis detidos por motivos imperiosos de segurança devem receber a proteção disposta na Quarta Convenção de Genebra. Os combatentes que não cumprem os requisitos para conseguirem estatuto de prisioneiros de guerra (por exemplo, aqueles que não portem armas abertamente) ou civis que participaram diretamente das hostilidades em um conflito armado internacional (ou chamados beligerantes "desprivilegiados" ou "ilegais") são protegidos pela Quarta Convenção de Genebra desde que sejam cidadãos inimigos. Diferentemente dos prisioneiros de guerra, estas pessoas podem ser julgadas pela legislação nacional do Estado que as detém por pegarem em armas, assim como por qualquer delito que puderem ter cometido. Podem ser mantidas presas até cumprirem qualquer pena imposta. Caso não sejam processadas, devem ser libertadas assim que os motivos imperiosos de segurança que levaram ao seu internamento deixarem de existir.

  3. 2. As pessoas detidas em relação com um conflito armado não internacional, travado como parte da luta contra o terrorismo, são protegidas pelo artigo 3° comum, pelo Protocolo Adicional II se for aplicável e pelas normas relevantes do DIH consuetudinário. As normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e da legislação nacional também são aplicáveis a estas pessoas. Essas pessoas têm direito às garantias de um julgamento imparcial concedidas pelo DIH e pelo DIDH se forem julgadas por crimes que possam ter cometido.

  4. 3. As pessoas detidas fora de um conflito armado na luta contra o terrorismo são protegidas pela legislação nacional do Estado que a detém e pelo DIDH. São protegidas pelas garantias de um julgamento imparcial outorgadas por esses ramos do direito se forem julgadas por crimes que possam ter cometido.

Nenhuma pessoa capturada na luta contra o terrorismo pode ser considerada fora da lei. Não existe um"vazio"no que tange à proteção legal.

Veja também: A aplicabilidade do DIH em relação ao terrorismo e contraterrorismo (em inglês), extraído do relatório "Direito Internacional Humanitário e os desafios dos conflitos armados contemporâneos".