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Leonardo Sakamoto

Projeto de lei propõe que você informe seu CPF para acessar um site

Leonardo Sakamoto

05/10/2015 15h24

Nem bem o Marco Civil da Internet foi aprovado e congressistas já tentam desvirtua-lo. O projeto de lei 215/2015 pode obrigar sites a cadastrarem todos que os acessarem e deve ser analisado, nesta terça (6), no Congresso Nacional. Pedi para Veridiana Alimonti, integrante da Coordenação Executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil, entre 2011 e 2013, uma análise para este blog sobre o PL, que pode facilitar a vida de autoridades que querem espionar a sua vida e censurar reportagens na rede.

Quer acessar este blog? Seu CPF, por favor, por Veridiana Alimonti

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados pode considerar constitucional a obrigação dos sites realizarem cadastro prévio de todos os internautas nesta terça (6). Assim, para você acessar um blog, publicar sua opinião online por qualquer tipo de aplicação ou até, quem sabe, consultar se vai chover amanhã, terá que informar sua qualificação pessoal, filiação, endereço completo, telefone, CPF e conta de e-mail. Esse é o projeto de lei PL 215/2015, que ficou conhecido na rede nas últimas semanas como #PLEspião, de relatoria do deputado federal Juscelino Filho (PRP-MA), e que representa tremendo retrocesso em relação às garantias conquistadas com o Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014).

O apelido não se deve apenas ao cadastro geral de usuários de Internet, mas à autorização de a polícia ou o Ministério Público obterem diretamente, sem a necessidade de ordem judicial, o endereço IP, a data e hora da conexão e o que foi acessado por esse endereço IP. O cruzamento dessas informações permite a identificação de um usuário na rede. No último acordo feito na CCJC, essa parte foi retirada, embora a dispensa de ordem judicial permaneça para o acesso aos dados cadastrais mencionados acima. Em versões anteriores, o projeto permitia que "autoridade competente" verificasse o conteúdo das comunicações privadas sem ordem judicial, isto é, suas conversas por Skype ou mensagens de e-mail e Whatsapp. Tudo isso para combater os crimes contra a honra, ou melhor, as críticas e informações incômodas publicadas na rede que tanto cutucam os deputados e deputadas.

O texto original do PL 215/2015, do deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), era sucinto e se limitava a aumentar em um terço as penas dos crimes de calúnia, injúria e difamação, quando cometidos por meio de redes sociais. A ele foram apensados o PL 1547/2015, do deputado Expedito Netto (SD-RO), e o PL 1589/2015, da deputada Soraya Santos (PMDB-RJ), essa última da mesma turma do presidente da Câmara. Não à toa, foi ela que introduziu no PL as modificações ao Marco Civil da Internet, lei cuja aprovação desceu atravessado no então apenas deputado e atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Para completar, o PL 215/2015 facilita que qualquer interessado requeira a remoção de conteúdo de sites, blogs, redes sociais e etc que associe seu nome ou imagem a fato calunioso, difamatório ou injurioso, outra alteração no Marco Civil. Com isso se fecha o ciclo da censura e da perseguição online daqueles que criticam políticos e figuras públicas. Se aprovado na CCJC, ele segue direto para votação em plenário, já que não foi pautado para nenhuma outra comissão, a despeito dos pedidos feitos a Eduardo Cunha, o único capaz de autorizar a tramitação em novas comissões.

Após seguidos adiamentos, novos pareceres do relator e alguns votos em separado, essa aprovação pode ocorrer nesta terça (6), à tarde. Tais alterações e adiamentos se devem também à mobilização da sociedade contra o #PLEspiao, por meio de nota pública e diferentes manifestações veiculadas na imprensa, agitação nas redes sociais, e-mails enviados aos deputados, petição online e presença ativa no Congresso. Todas essas ações devem ser mantidas e fortalecidas para barrar o PL 215/2015.

Seu contexto não é isolado. A proposição e tramitação desse projeto de lei estão inseridas na onda extremamente conservadora que se espalha pelo Congresso Nacional, com maior foco na Câmara dos Deputados. Ao Estatuto da Família, à redução da maioridade penal e à reforma política às avessas se soma a retomada da visão da Internet, não como ambiente potencializador de direitos, mas como locus instigador de crimes, sendo todos os seus usuários criminosos em potencial. Na mesma linha, temos o PL 2390/2015, que pretende criar um Cadastro Nacional de Acesso à Internet, que conterá a relação de todos os usuários da Internet no Brasil, com nome, endereço, RG e CPF. Foi justamente o combate a essa visão que aglutinou forças em torno do Marco Civil, agora gravemente ameaçado.

Iniciativas dessa natureza subvertem os princípios e conceitos fundamentais da Internet, como ressaltado em resolução do Comitê Gestor da Internet no Brasil, e nos fazem mais uma vez ter de afirmar a cidadania em reação à truculência.

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Para saber mais sobre o tema, o Intervozes organiza hoje (05/10), às 19h, bate papo online com Virgílio Almeida, coordenador do CGI.br e Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, Joana Varon, do Coding Rights e especialista em privacidade, e Pedro Paranaguá, pesquisador e assessor técnico da Câmara dos Deputados. Acompanhe aqui.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.