Peru: “As histórias de familiares de desaparecidos me comovem” – Depoimento de uma voluntária da Cruz Vermelha
Gabriela Palma tem 28 anos e há uma década colabora com a Cruz Vermelha Peruana. Ela e os voluntários da Filial Provincial de Ayacucho da Cruz Vermelha Peruana prestam apoio aos familiares das pessoas desaparecidas em decorrência do conflito armado interno que o Peru vivenciou entre os anos 1980 e 2000. O depoimento dela relata a importante tarefa de assistir e aliviar o sofrimento que as famílias padecem durante o processo de recuperação dos seus entes queridos.
"Quando começamos a apoiar com as restituições dos corpos das vítimas do conflito armado no Peru, eu não sabia com exatidão do que se tratava. Achava que só precisava ir até a filial e levar doações para as pessoas carentes, mas depois, no último ano, vi que havia pessoas desaparecidas e que os seus familiares vivem uma tragédia", relata Gabriela.
Para ela e a maioria de jovens voluntários da Cruz Vermelha Peruana, esta experiência foi um grande aprendizado, porque muitos são jovens e não viveram essa época de violência. "Escutar os depoimentos dos familiares das pessoas desaparecidas que se alojavam aqui na filial da Cruz Vermelha me comovia, não sabia bem como ajudar. Mas, com o apoio do CICV e a realização de oficinas de capacitação em acompanhamento durante restituições, as psicólogas nos ensinaram a acolher esses tristes depoimentos; tivemos de fazer apoio psicossocial também".
A Filial Provincial de Ayacucho da Cruz Vermelha Peruana recebe nas suas dependências os familiares das pessoas desaparecidas que vêm de comunidades com frequência muito distantes e pernoitam ali, para depois receber os restos mortais dos seus entes queridos entregues pelas autoridades.
"Havia momentos em que ficávamos arrasados porque os familiares nos contavam cada história, cada coisa que acontecia com eles durante a busca constante dos seus parentes... Mas já estamos mais organizados, trabalhamos em conjunto para responder de maneira adequada", comenta Gabriela.
No dia 2 de novembro de 2014, na celebração do Dia de Finados em Huamanga, os voluntários da Cruz Vermelha apoiaram o evento com a redação de mensagens em balões de papel. Esses balões coloridos com mensagens e desejos dos familiares foram uma maneira criativa que eles encontraram para enviar mensagens aos seus parentes desaparecidos. "Foi um momento importante para as famílias que não têm aonde levar flores ou chorar os seus mortos, porque fisicamente não sabem onde estão, mas as suas almas estão no céu. Por meio dessas mensagens, eles manifestaram todos os sentimentos que têm guardado, todo o carinho e o afeto que sentem, expressaram o quanto sentiam a sua falta, foi uma liberação", acrescenta.
"Uma história que me marcou bastante foi a de uma senhora que perdeu os dois filhos e a mãe. Eu escrevi a sua mensagem: "Meu filho, como queria te ver, como queria ter pelo menos um pouquinho dos seus ossos para poder te enterrar e poder fazer você sentir que está comigo. Não consigo dormir, não consigo comer pensando que não está ao meu lado e que em algum momento você vai aparecer. Eu estaria tranquila se já tivesse te encontrado". Esta mensagem e muitas mais foram importantes para que os familiares pudessem desabafar as emoções que sentiam. Para mim foi uma experiência muito forte, me emocionou muito".
No Peru existem mais de 15 mil pessoas desaparecidas e o processo de busca requer um esforço por parte de todas as autoridades e da sociedade como um todo.
FOTOS: CC BY-NC-ND / CICV / José Atauje