"Chega desse preconceito com a bancada ruralista", escreve Xico Graziano

Publicado em 02/11/2017 07:24
Agricultor que zela pela natureza deve ser remunerado (artigo no Poder360)

Você conhece alguém a favor do trabalho escravo? Certamente que não. Muita gente, porém, acha que os “ruralistas” defendem a escravidão no campo. Basta ler o noticiário recente.

Nele se percebe um terrível preconceito sobre os produtores rurais. A bem da verdade, para ser mais exato, a birra dos jornalistas recai mesmo contra a bancada ruralista no Congresso Nacional. Quando ela se manifesta, imediatamente leva bronca dos formadores de opinião, como se os parlamentares apenas se dedicassem a promover o mal. Ora, não é bem assim.

Tome-se o caso dessa portaria que alterou a fiscalização contra o trabalho escravo. Qual foi a razão da medida governamental, sugerida pelas lideranças políticas do agro? Acontece que, não raramente, os fiscais públicos elaboravam laudos tendenciosos, que penalizavam injustamente alguns agricultores, sujando seu nome para sempre. Sem direito ao contraditório.

O governo, então, decidiu adotar regras mais precisas para configurar aquelas situações de trabalho forçado, ou análogo ao de escravos. Assim fazendo, permitia também evitar a manipulação ideológica dos laudos, herdada do esquerdismo petista que adora punir o agronegócio. Divulgada sem qualquer explicação, porém, como costuma proceder esse desacreditado governo, a medida soou como uma negociata. Um libera geral no controle da escravidão rural.

Prato feito para a oposição, que deitou e rolou. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) esbravejou e até Fernando Henrique Cardoso se rebelou, denunciando um “inaceitável retrocesso na luta pelos direitos humanos”. Com a grita generalizada, o governo se esforçou para explicar melhor o assunto, divulgando fotos contidas nos autos –de beliches, banheiros, etc– querendo mostrar os exageros dos relatórios. Mas o estrago já estava feito.

Há alguns anos, eu próprio fui ao Vale do Araguaia, no Mato Grosso, conferir uma autuação de trabalho escravo ocorrida na fazenda Rio Preto, de um mineiro com nome de Romão Flor. Deparei-me lá com um excelente, e enorme, rebanho de gado nelore, distribuído em piquetes com pastos plantados, cochos de sal cobertos, alta tecnologia. A propriedade ocupava 246 empregados, sendo 89 vaqueiros, todos com carteira assinada. Moravam numa vila, mantida no local, casas de alvenaria, cesta básica gratuita, escola para a meninada. Tudo civilizado, zero latifúndio.

Mas –daí surgiu a pendenga– a equipe de fiscalização do trabalho, quando lá esteve, flagrou 6 trabalhadores rurais, sem registro profissional, fazendo a roçada de pastagens. Mais. Eles confessaram beber água diretamente das nascentes lá existentes e, quanto aos banheiros, não haviam nos prados: durante a jornada, disseram, faziam as necessidades ali mesmo, no matagal. Essa realidade, comum na roça, bastou para o (forçado) enquadramento como “trabalho análogo à escravidão”. Puro exagero. Denunciei o caso na época, em 2004.

O trabalho degradante, análogo à escravidão, incontestavelmente ainda subsiste alhures, seja no campo seja na cidade, e precisa ser combatido cotidiana e rigorosamente. Ninguém discorda disso. É inadmissível, porém, como tem ocorrido, transformar em crime de servidão irregularidades trabalhistas comuns e discutíveis. Aplique-se a lei com rigor, mas não se afronte a razão.

Agora que o STF, em decisão liminar na terça-feira (24.out.2017) suspendeu os efeitos da controvertida portaria, ganha-se tempo para equacionar a matéria sem julgamentos apressados e tortuosos. Tomara que a PGR, que deverá elaborar uma solução para o impasse, não siga o perverso princípio de que, se os ruralistas defendem uma causa, esta não presta. Chega desse preconceito.

"Desmatamento?, não adianta apenas utilizar o talonário de multas do Ibama", diz Xico Graziano

Sair do “achismo” e promover o debate qualificado. Aqui reside o grande mérito do Instituto Escolhas, ao lançar seu instigante estudo “Qual o impacto do desmatamento zero no Brasil? Ele estabelece pontes entre o ambientalismo e a moderna agricultura. Sensacional.

Há tempos, especialmente após a aprovação do novo Código Florestal, há 5 anos, uma postura propositiva cresce entre as lideranças mais responsáveis da sustentabilidade. Empresas do agronegócio têm estabelecido parcerias de interesse comum com ONGs de prestígio. Esse movimento favorece sair do discurso, que divide, e procurar soluções, que agregam. Muito positivo.

A questão do desmatamento é crucial na agenda do futuro. Com apoio do Imaflora, e tecnicamente embasado pela ESALQ/USP, reconhecido centro de competência no agro, o estudo do Instituto Escolhas dimensionou o tamanho do problema e traçou cenários para adiante. Mantendo-se a tendência atual (cenário-base), espera-se até 2030 uma supressão adicional de 13,7 milhões de hectares de florestas nativas no país. Para comparação, a área atualmente desbravada pela agropecuária soma 240 milhões de hectares (Mha), tendo ocupado 61 Mha nas lavouras temporárias.

Se o governo tomasse providências enérgicas para impedir o desmatamento nas áreas públicas – incluindo as devolutas – e caso houvesse um planejamento oficial, através do ZEE (Zoneamento Econômico Ecológico), que permitisse o avanço da fronteira agrícola apenas sobre as terras com boa aptidão agrícola, o desmatamento total cairia, em 2030, para 8,14 milhões de hectares (40,6% de redução sobre o cenário-base). Seriam explorados, adicionalmente, 4 Mha no bioma do Cerrado, 3,96 Mha na Amazônia e 0,18 Mha na Mata Atlântica. Bastante razoável.

Permitir a ocupação do estoque de terras com boa fertilidade e topografia, respeitados os limites estabelecidos pela legislação florestal, parece uma rota inteligente, intermediária, entre a devastação geral e a utópica proposta do desmatamento zero já. Caminho do meio.

Há custos envolvidos nesse processo, e mais uma vez ressalte-se o mérito do referido estudo em dimensiona-los. Se fosse possível acabar imediatamente com todo o desmatamento, seja legal ou ilegal, incluindo terras públicas e privadas, haveria um impacto de 0,62% no PIB do país, correspondendo a R$ 46,5 bilhões em 15 anos, ou seja, R$ 3,1 bilhões por ano. Os estados do Mato Grosso e Pará sofreriam o maior baque.

No debate de apresentação do estudo sobre o desmatamento zero, ocorrido nesta segunda (30.out.2017), no auditório do Insper (SP), ficou claro a necessidade da implementação de políticas compensatórias. Não dá mais para sugerir restrições ao uso das terras pelos agricultores sem considerar quem vai pagar a conta da preservação ambiental. Afinal, toda a sociedade ganha com a proteção da biodiversidade.

Tem nome essa ideia: chama-se o “pagamento por serviços ambientais” (PSA). Tramitam há anos no Congresso Nacional vários projetos de lei sobre o assunto, destacando-se o PLS 276/2013, de autoria do Senador Blairo Maggi (PR-MT), atual ministro da Agricultura. Debatido em recente audiência pública na Comissão de Meio Ambiente daquela casa, o projeto está pronto para aprovação.

Seria um gol de placa do governo. Há tempos todos nós que defendemos a agricultura sustentável pregamos a criação de mecanismos de estímulo ecológico aos produtores rurais. Novas atitudes, proativas e não repressivas, em defesa da biodiversidade.

Não adianta apenas utilizar o talonário de multas do Ibama. Precisamos aplaudir o agricultor que zela pela defesa da natureza. E remunerar seus serviços ambientais. Significa dar valor à floresta virgem. Aí ela ficará em pé.

A proteção do meio ambiente, editorial do ESTADÃO

O Estado de S.Paulo

O Decreto n.º 9.179/2017, que instituiu o Programa de Conversão de Multas Ambientais, pode representar um avanço sem precedentes na política de proteção ao meio ambiente do País caso o seu cumprimento seja acompanhado por uma diligente fiscalização.

De acordo com o disposto no decreto do Executivo, as multas ambientais devidas aos órgãos da União integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) poderão ser convertidas em prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.

É importante ressaltar que a possibilidade de conversão das multas ambientais em prestação de serviços não é uma novidade. Isso já estava autorizado pela Lei n.º 9.605/1998, a chamada Lei de Crimes Ambientais, e por outro decreto presidencial, de 2008. O novo decreto, no entanto, avança ao dar unidade programática à aplicação dos recursos, antes esparsa e sem mecanismos de controle, o que dificultava a fiscalização e o acompanhamento de sua eficácia.

Pelas novas regras, o autuado não poderá requerer a conversão das multas em investimentos em projetos de reparação de danos decorrentes de suas próprias infrações, cuja obrigação de reparar já é imposta pela legislação vigente. Independentemente de uma solicitação de conversão, o infrator já é responsável pela recuperação da área por ele degradada, passando a ser responsável também pela área que ajudar a recuperar.

Os projetos elegíveis ao recebimento dos recursos serão definidos pelo governo, por meio do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e órgãos federais a ele vinculados, como o Ibama. 

O governo calcula que por meio das conversões de multas autorizadas pelo novo decreto cerca de R$ 4,6 bilhões poderão ser destinados a projetos ambientais, um volume de recursos jamais investido em ações dessa natureza. A título de comparação, o Fundo Amazônia, principal gestor de projetos e recursos destinados à preservação ambiental no País, aportou R$ 3,9 bilhões em projetos para a Região Amazônica na última década. O próprio orçamento anual do MMA para ações deste tipo – cerca de R$ 600 milhões – representa 13% dos recursos a serem destinados a projetos de preservação ambiental definidos a partir das regras do novo decreto presidencial. “É um avanço histórico”, disse Suely Araújo, presidente do Ibama.

Entre os projetos já eleitos pelo MMA como prioritários para o recebimento dos recursos estão a recuperação da Bacia do Rio São Francisco, cujo edital deverá ser publicado até o fim deste ano, e a do Rio Taquari, em Mato Grosso do Sul, previsto para o início de 2018.

Na cerimônia de assinatura do decreto, em Miranda, no Pantanal sul-mato-grossense, o presidente Michel Temer ressaltou que a medida “demonstra o compromisso do governo com a questão ambiental” e que um de seus grandes objetivos na área é “assegurar que caminhem juntos os que produzem e os que defendem o meio ambiente”.

O decreto é correto e oportuno. Entretanto, o País é pródigo em leis e decretos bem-intencionados que acabam sucumbindo à falta de fiscalização que os torna peças de ficção.

Por ano, o Ibama aplica cerca de R$ 3 bilhões em multas por infrações ambientais. Deste montante, a média histórica de arrecadação é de apenas 5%. Ou seja, de nada adianta um arcabouço normativo e toda a estrutura administrativa do órgão dedicada à fiscalização, se as punições aplicadas não são cumpridas e não há consequências mais graves aos infratores.

Há ainda o desvio de finalidade na aplicação dos recursos obtidos por meio dos raros casos de pagamento das multas. Apenas 20% desse valor, de acordo com o Ibama, vão para projetos ambientais. O restante entra no Orçamento da União e é destinado a projetos de naturezas diversas. 

Para se traduzir, de fato, no avanço da proteção ambiental que representa, o Decreto n.º 9.179/2017 deve ter sua aplicação rigorosamente fiscalizada, sob pena de se perder no cipoal das letras mortas do país onde há as leis que “pegam” e as que “não pegam”.

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Fonte:
Poder360

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1 comentário

  • Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC

    Xico Graziano sempre orbitou em torno de governos, é um sujeito incapaz, reforçando o discurso que diz combater, aliás o próprio presidente Michel Temer, outro especialista em regabofes, dividiu em seu discurso "aqueles que produzem e os que querem a preservação ambiental". Perceberam? Xico e Temer transformam um aspecto cotidiano da vida no campo em uma "causa". E daí é que vem a defesa das ONGs "respeitáveis" como afirmou Graziano. O produtor deve ser tutelado por não ter consciência dos danos que faz ao meio ambiente, esse é o resultado lógico de tal discurso. É mentiroso, é imbecil, é falso. Embora reconheçam o excesso de regulamentação, a solução proposta é aumento de fiscalização!!! Jamais conseguirão tantos fiscais e uma estrutura burocrática capaz de fazer com que se cumpra toda a legislação e o objetivo claro disso é tornar todo produtor rural um criminoso. Num passo seguinte basta uma lei que desaproprie terras onde há o tal "trabalho escravo". A bancada ruralista tem poder para determinar os rumos do país, em vez disso prefere o jogo rasteiro onde quebra as pernas do Brasil para poder ganhar um naco de poder. Triste situação a de ter que ser coadjuvante onde poderia ser protagonista. Mequetrefes estatistas que fazem o jogo do poder para enriquecer através de dinheiro público. A sustentabilidade da agropecuária brasileira e suas indústrias depende da diminuição da regulamentação, dos impostos, das restrições e da abertura comercial do país, onde o comércio sirva aos brasileiros e não à casta aboletada nos gabinetes de Brasilia.

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