8 segundos - Dia dos Namorados

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8 SEGUNDOS — Dia dos Namorados — É sério, amor, estou ficando preocupado. O que aconteceu? — perguntei pela terceira vez durante o jantar. Conhecia a minha mulher como a palma da minha mão e sabia que tinha alguma coisa errada. Pietra parecia nervosa. Suas mãos não paravam quietas, e ela evitava me encarar. Não entendia o que estava acontecendo. Será que fiz alguma coisa sem querer? Pensa, Ranger, pensa... — Não é nada, amor. Só estou um pouco cansada por causa das obras. — Ela me deu um sorriso que eu sabia que era falso. Ela tentou disfarçar usando a mesma desculpa dos últimos dias. É claro que gerenciar uma obra tão grandiosa quanto o Centro de Reabilitação Girassol não era um passeio no parque, mas até semana passada Pietra estava tirando de letra. Por que a mudança repentina? Poderia apostar o meu chapéu favorito que isso não era por conta da obra. Obviamente, alguma coisa a estava incomodando, mas eu não quis pressioná-la. Coisas que você aprende na marra durante o casamento: se sua mulher não quer falar, melhor não insistir. Eu aprendi essa regra na base de muito coice. Pietra continuava remexendo na comida, que estava intacta em seu prato. Era a última prova de que precisava para ter certeza de que algo estava muito errado: Pietra mal tinha tocado no bife à parmegiana da Lúcia. Odiava ver minha mulher assim, me lembrava da época em que fiquei no hospital. Por mais que ela me dissesse que estava tudo bem, eu sentia a preocupação em seus olhos. Esperava que o presente que tinha para Pietra adoçasse um pouco minha potranca. Eu comprei há quase um mês, mas estava esperando pelo Dia dos Namorados. Não queria cometer o mesmo erro terrível do ano passado, quando deixei para comprar o presente na última hora e acabei me esquecendo. Fui castigado durante semanas. Me dá um frio na espinha só de pensar o quanto Pietra me torturou. Eu não podia tocá-la, sexo estava fora de cogitação. E o pior eram as lingeries que ela usava para dormir, isso quando usava. Foram as duas malditas semanas mais demoradas da minha vida. Mas quando ela me perdoou, bem, melhor não me lembrar


disso durante o jantar. Balancei a cabeça tentando afastar os pensamentos. — Você está pensando em sexo, Lucas Vitor? — Suspirei ao ouvir a sua pergunta: ela me conhecia tão bem... — Claro que não, meu amor. — Sorri, e ela desviou os olhos novamente. Sério?! Por que eu menti? Terminamos o jantar em silêncio e, assim como de costume, Pietra e eu nos sentamos na varanda para apreciar a noite. O céu na fazenda era mais estrelado que em qualquer outro lugar do mundo. E, como não havia sinal de chuva, nenhuma nuvem atrapalhava o espetáculo. Sentamos abraçados na espreguiçadeira, e Pietra deitou a cabeça em meu peito. Coloquei um dos meus braços por cima da sua cintura e alcancei uma de suas mãos. Entrelaçando nossos dedos, acariciei sua pele macia. Adorava ficar assim com ela. Tínhamos combinado de passar esse tempo juntos depois do jantar. Era um tempo só nosso, para aproveitarmos, falarmos de nós, dos nossos sentimentos, do nosso dia, sem que nenhum outro assunto interferisse. E até agora tinha funcionado muito bem, ou seja, quase sempre terminava em sexo. Na verdade, tudo entre nós dois sempre terminava comigo dentro da Pietra. Enquanto mais uma vez pensava em sexo, ela se ajeitou em meu colo e me fitou com ternura, a cabeça apoiada em minhas coxas. Mesmo com o olhar distante, eram nítidos os sentimentos que transbordavam daqueles dois cristais verdes. Deus, como eu a amo!, pensei enquanto acariciava o seu cabelo. Enfrentamos tantos obstáculos para ficarmos juntos, foram tantos ensinamentos em tão pouco tempo: o acidente, o passado dos nossos pais, meu orgulho, as realidades tão distantes. Superamos tudo e hoje estamos casados e felizes. Olhei para a minha esposa e, mais uma vez, ela desviou os olhos dos meus. Então, eu tive uma ideia.


— Espera aqui, meu amor. Eu já volto. — Beijei os nós dos seus dedos em um gesto carinhoso, soltei sua mão e levantei. Cristal me olhou confusa e ainda mais perdida do que antes, mas não me questionou. Sua atitude mostrava o quanto o nosso amor evoluiu, amadureceu, ao ponto de ela confiar completamente em mim e eu nela. Sorri orgulhoso enquanto subia as escadas. Assim que entrei no nosso quarto, peguei a caixa de veludo de dentro de uma bota velha, onde tinha escondido a joia que mandei fazer especialmente para a minha mulher. Abri a caixa e olhei para o medalhão reluzente. Talvez ela esteja triste por pensar que mais uma vez eu vou esquecer o Dia dos Namorados, principalmente por ser o primeiro depois de casados. Se for isso, dar o presente adiantado talvez a faça sorrir. Depois dou um jeito de preparar alguma surpresa para o dia certo. Estratégia traçada, agora era ver se na prática funcionaria tão bem como eu imaginava. Desci as escadas correndo, feliz com o meu plano perfeito. Pietra estava de pé na sala me olhando descer e, quando viu a caixa em minhas mãos, não pareceu entusiasmada. Essa não era bem a reação que eu esperava. — O que é isso? — perguntou curiosa, apesar da sua falta de animação diante de um presente, o que não era típico dela. — Seu presente de Dia dos Namorados. — Entreguei a caixinha e, assim que ela abriu, seus olhos se encheram de lágrimas. Pietra levantou a correntinha de ouro com uma das mãos para ver o pingente, que era um coração com nossos nomes gravados: Lucas ♥ Pietra — É lindo, amor. Obrigada por ter entrado em minha vida e me salvado — agradeceu Pietra, chorando antes de me abraçar. Ela me abraçou de uma maneira diferente, me segurando forte contra ela, como se estivesse esperando que eu me afastasse a qualquer momento, que a deixasse. Aquilo estava ficando cada vez mais preocupante. — Também tenho um presente para você — disse, ainda com o rosto aninhado em meu peito. Devia ser isso, então: ela sempre ficava


preocupada se eu iria gostar dos presentes que comprava. Eu sempre dizia que era besteira gastar dinheiro comigo, porque tudo que eu queria eu já tinha: o amor da mulher mais maravilhosa do mundo. — Espere aqui, eu vou buscar. Antes de ela sair dos meus braços, eu encostei meus lábios nos dela e beijei aquela boca que eu tanto amava. Pietra foi em direção ao andar de cima e eu me sentei no sofá, já curioso. Na verdade, tinha uma ideia do que seria: há algum tempo venho falando que vou comprar uma televisão maior para assistir ao Campeonato Brasileiro. Acho que minha patricinha pegou minha dica. — Mas que porra! — esbravejei. Como ela vai trazer uma TV daquele tamanho sozinha? Levantei depressa para ajudá-la, mas, assim que cheguei ao pé da escada, Cristal vinha descendo e não carregava uma TV. Quando se aproximou, Pietra me puxou pelas mãos até o meio da sala. Então, ela me entregou uma pequena caixa enrolada com um laço azul. Enquanto eu abria a caixa, percebi que ela mordia o lábio inferior, ansiosa. Sorri ao ver a sua aflição, tinha certeza de que eu iria amar. Mas quase desmoronei com a surpresa. Meus pulmões foram esmagados por uma força desconhecida, e meu coração bateu descompassado. Minhas pernas tremiam, e eu só não desabei porque seria ridículo um homem do meu tamanho desmoronar por um simples... um simples sapatinho de bebê. Dentro da caixa estava um par de sapatinhos minúsculos e uma daquelas pulseirinhas que os pais colocam nas crianças quando elas nascem. A Pietra permanecia parada na minha frente, tão pálida quanto eu deveria estar. Tentei dizer alguma coisa, mas não consegui pronunciar uma frase completa que fizesse sentido. Cristal arregalou os olhos, sem entender o que eu estava dizendo. Respirei uma, duas, três vezes, puxando todo o ar dos meus pulmões. — Eu... eu... quer dizer que... eu... — Porra! A convivência com o Pedro estava me deixando gago. Vendo meu desespero, Pietra se adiantou:


— Você vai ser pai — gritou Pietra. Levei mais um choque com sua forma nada convencional de me revelar aquela notícia. Mas eu já estava acostumado: nada na minha história com Pietra era convencional. Olhei para a caixinha, para Pietra, para a caixinha, até que realmente me dei conta de que seria pai. Puta merda! Eu vou ser pai! No momento em que a ficha caiu e o susto inicial passou, eu comecei a rir e a chorar ao mesmo tempo. Um Ranger Junior por aí. — Meu Deus! — exclamei totalmente extasiado. — Eu vou ser pai! — O meu grito ecoou por toda a fazenda. Segurei Pietra nos meus braços e rodopiei o seu corpo enquanto sentia o seu perfume, que sempre me enlouquecia. Essa mulher era mais do que eu poderia ter pedido a Deus, bem mais do que eu merecia. E agora me daria o presente mais maravilhoso que já ganhei em toda a minha vida: um filho. — Você vai me dar um filho, amor. — Segurei o rosto dela entre as minhas mãos e beijei cada parte dele. Pietra estava muda e me olhava com um misto de alívio e surpresa. — Você não está bravo? — perguntou um pouco retraída. — Ficou louca, meu amor? Bravo por quê? — Não foi planejado. Aconteceu. Acho que não tomei certinho o anticoncepcional. Sou muito distraída, sabe como é... — Ela deu de ombros, explicando, mas eu a interrompi. — É perfeito, minha potranca. Estamos juntos, é tudo o que importa. Essa criança será o ser mais amado desse mundo, porque amor nós temos de sobra — disse, com toda a certeza que existia em mim. Então, Pietra abriu um sorriso que me desarmou. — Estou com seis semanas de gravidez — disse ela, levando as duas mãos à barriga. Acompanhei o gesto e coloquei as minhas sobre as dela. Não resisti e caí de joelhos no chão, abraçando seu ventre e imaginando que meu pequeno já estava ali dentro, crescendo como um touro valente e pronto para ganhar esse mundão de meu Deus em alguns meses. Levantei a camiseta de Pietra e beijei sua barriga. Ainda estava retinha, mas eu já a imaginava redonda.


— Obrigado — disse, olhando em seu rosto. — Pelo quê? — perguntou, com os olhos cheios de lágrimas. — Por me tornar o homem mais feliz do mundo. Eu me levantei e distribuí beijos por todo o seu corpo até chegar aos seus lábios. Tomei sua boca em um beijo ardente e urgente, cheio de desejo e gratidão. Eu era um homem completo: Pietra me preenchia. — Vamos ter um bezerrinho correndo pela fazenda — disse, sorrindo com a cena de uma criança correndo pelos pastos, andando a cavalo e passeando entre os girassóis. Parecia um sonho. Senti Pietra me beliscar e encarei seus olhos, mas eles não estavam gentis como antes. Porra! O que foi que eu fiz agora? — Lucas Vitor Mendes, você está me chamando de vaca? — Ela tentou segurar o riso, mas não se aguentou e acabou gargalhando. — Pietra Braga de Alcântara Mendes, estou dizendo que você será a mãe mais linda do mundo. — Peguei-a em meus braços e a levantei. — Agora vamos para o quarto, preciso aproveitar antes que você fique roliça e mal-humorada. — Caipira idiota. — Patricinha mimada. Pietra segurou meu pescoço e dessa vez tomou a iniciativa de me beijar, enquanto eu subia as escadas para o quarto com a minha mulher nos braços. — Te amo — disse ela, quando sua boca desgrudou da minha. — Sempre — completei. Nunca mais me esquecerei do Dia dos Namorados. Foi em um Dia dos Namorados que eu e Pietra descobrimos o amor mais puro de todos: o amor por Vitor, nosso primeiro filho.


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