• Ilan Brenman
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Coluna Ilan (Foto: Reprodução)

A reflexão sobre o conceito de felicidade está presente na humanidade há milhares de anos. Santo Agostinho (354-430), um dos principais pensadores do Cristianismo, enumerou 289 opiniões diferentes sobre o tema. Já no século 18, foram escritos 50 tratados. Porém, os primeiros homens no mundo ocidental que se preocuparam e se aprofundaram no assunto foram os filósofos gregos pós-socráticos. Aristóteles (384-322 a.C) – que foi aluno de Platão, que foi aluno de Sócrates – colocou a felicidade no centro de sua filosofia. Quando lhe perguntam: “Como devemos viver a nossa vida?”. Ele respondeu: “Buscando a felicidade”.

Entretanto, esse conceito em nada se parece com o que o mundo ocidental vem abraçando nos últimos séculos. Para o filósofo grego, a felicidade é confundida com a busca pelo prazer físico, por honras e por dinheiro. Sendo um sábio, ele não desprezava esses objetivos, mas diz que só depois de garantirmos nosso sustento e da nossa família é que podemos mergulhar na sua busca. A felicidade aristotélica estava ligada ao autoconhecimento e, principalmente, a ações voltadas ao bem comum, ou seja, ela não é verdadeira se é somente sentida por um individuo rodeado por infelizes. O filósofo grego nunca entenderia a felicidade egoísta do século 21.

Com o advento da Idade Média, a busca da felicidade foi sendo criminalizadas. Felizes eram aqueles que renunciavam a felicidade terrena. Mas como o mundo gira, a religião foi se enfraquecendo com o surgimento do Iluminismo. Novamente a discussão veio à tona. Uma das mais famosas frases dessa época sobre o assunto foi dita por Voltaire (1694-1778): “O paraíso terrestre é onde estou”. A própria Declaração de Independência Americana, fortemente influenciada pelo Iluminismo francês, colocou a procura pela felicidade com um dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Parecia que o homem havia recuperado seu caminho para a felicidade aristotélica. Ledo engano. Em vez da busca pelo bem comum e pelo autoconhecimento, houve uma epidemia, que dura até hoje, pelo prazer egocêntrico a qualquer custo. Melhor dizendo, a um custo altíssimo. Nos últimos anos, constatou-se um aumento impressionante no uso de antidepressivos entre adultos e crianças.

Depois de 2500 anos, continuamos confundindo prazer físico com felicidade. Epicuro (341-270 a.C), outro grande filósofo grego, admitia que nós buscamos o prazer e tentamos sempre evitar a dor. Porém, para esse filósofo, que ensinava seus alunos no seu lindo jardim, a melhor maneira de viver prazerosamente era ter um estilo de vida simples, ser gentil, e amável, com as pessoas e estar rodeado por amigos.

No filme clássico Cidadão Kane, Charles Foster Kane, o magnata multibilionário (prazer físico, honras/poder e dinheiro) quando morre pronuncia a palavra “rosebud”, que era o nome do trenó de neve de sua infância pobre, mas que remetia à sua felicidade (amigos, afetos, brincadeiras), que nunca mais conseguiu resgatar ou comprar. Queremos que nossos filhos sejam felizes. Para isso, é necessário refletir profundamente sobre qual é nosso conceito de felicidade. Boas reflexões.

*Este texto foi publicado na edição 251 (outubro, 2014), na Revista Crescer

Ilan Brenman (Foto: Felipe Gombossy)

Ilan Brenman é doutor em Educação e um dos principais escritores de literatura infantil do Brasil, é pai de Lis, 9 anos, e Íris, 7 e-mail: crescer@ilan.com.br

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