Racismo em League of Legends: jogador da CNB sofre preconceito

Aoshi recebe mensagens racistas do público do CBLoL

Parte dos torcedores do Campeonato Brasileiro de League of Legends não possuem paciência ou estabilidade emocional para ver seu time perder um Barão, uma partida, uma série ou uma decisão. Um atleta precisa saber lidar com o segundo lugar ou até mesmo a última colocação, mas a torcida nunca se conforma. Se os resultados são positivos, a visão é de que os jogadores não fizeram mais que sua obrigação. Mas quando a partida termina em derrota, a situação é muito mais delicada.

O desequilíbrio emocional de parte do público é quase palpável enquanto os jogos do Campeonato Brasileiro de League of Legends são transmitidos. Os comentários negativos no chat das transmissões misturam desapontamento com mensagens raivosas dos torcedores, que para descontar a frustração relacionada à performance da equipe favorita, utilizam-se de xingamentos e termos homofóbicos ou racistas.

A organização CNB e-Sports sabe muito bem o gosto amargo do ódio da torcida. Após uma fase difícil na primeira temporada do CBLoL 2016, toda a equipe da CNB teve que lidar com o forte racismo em relação a Franklin “Aoshi” Coutinho, o único jogador negro da escalação. Como se não fosse suficiente, o público começou a destilar esse preconceito também nas streams pessoais do atleta, atacando-o em um momento no qual ele deveria estar mais próximo de seus admiradores.

Franklin “Aoshi” Coutinho. Reprodução: Facebook

“As pessoas são muito voláteis, em qualquer esporte todos são assim", diz Gustavo Ruzza, analista do CBLoL. Ele comenta sobre o cenário de League of Legends: “Veja por exemplo a paiN: não importa se o brTT jogou bem ou mal, se a paiN perde geralmente sobra para ele, porque é um jogador muito famoso e recebe demais esse tipo de crítica. Nem sempre as pessoas focam no responsável, eles costumam eleger um bode expiatório para descer a lenha e não tem uma visão do panorama geral, de qual é o problema e quais seriam as soluções. Sempre vão atrás do alvo mais óbvio para descontar a frustração do público.”

Sempre vão atrás do alvo mais óbvio para descontar a frustração do público"

Esse tipo de comportamento traz uma inevitável ligação com o futebol. Diversas vezes o gramado foi palco explícito de racismo não apenas no Brasil mas em todo o mundo, cujos casos tiveram alta repercussão na mídia. Desde o lateral-direito Daniel Alves comendo uma banana jogada em campo pela torcida em uma partida entre Barcelona e Villarreal até o goleiro Aranha sendo chamado de macaco pelos torcedores do Grêmio.

“Faz parte do trabalho: você é uma figura pública e o que você faz será julgado por todos. Comparando ao futebol, desde o começo o jogador é preparado na categoria de base com 10 até 14 anos e quando chega no profissional, já está maduro: tem pai, mãe, empresário, uma equipe inteira formando ele até chegar a hora de jogar ele na fogueira”, compara Ruzza. “Nos eSports não tem disso. Demora para você formar uma barreira e conseguir lidar com isso da melhor forma.”

Um dos diversos comentários vistos nos jogos da CNB. Reprodução: Facebook.

Cleber Fonseca, diretor e COO da CNB e-Sports, explica como a organização lidou com essa postura negativa da torcida. “Internamente nós preparamos o jogador para que esse ódio não abale o jogo dele. Claramente eles acabam vendo uma coisa ou outra, mas pedimos para que eles não vejam muito as redes sociais porque existem diversos comentários pesados sem base, infelizmente isso é recorrente na internet.", diz.

Mesmo com a difícil fase competitiva, toda a organização se mobilizou para lutar contra as ações racistas, incluindo comunicados em suas redes oficiais combatendo esse tipo de comportamento.

"Entendemos nossa má fase, mas nada justifica você ter atos racistas", afirma Cleber. "É bom porque tivemos o apoio da comunidade, mas é uma situação muito constrangedora. Ao menos nesse começo de criação do cenário, precisamos tomar cuidado com isso. Mostramos que o eSport ainda possui uma maioria muito jovem, então vamos virar exemplo e fazer algo diferente e evitar o racismo aqui também. Isso existe em todos os esportes tradicionais. Tem muito da cultura do brasileiro: quando você ganha, você é deus, se você perde, você é um lixo e tudo acabou. O comportamento do brasileiro em geral é assim."

Tem muito da cultura do brasileiro: quando você ganha, você é deus, se você perde, você é um lixo e tudo acabou"

A questão é muito delicada. Apesar de Aoshi ter uma blindagem e estar preparado para isso - seja por preparo pessoal ou pelo acompanhamento constante do psicólogo da CNB, esse tipo de reação do público pode chegar a afetar a performance do jogador. "Pessoalmente eu sofri bem pouco, eu não costumo mexer muito nas redes sociais e sou uma pessoa que se isola bastante de opiniões alheias. Eu só fiquei ciente da situação depois da equipe me contar", diz o atleta da CNB.

"Acho que isso é um problema cultural, não é uma coisa que surgiu no eSport e muito menos no League of Legends -- é bem recorrente no futebol, por exemplo. Suponho que existam diversos fatores pra esse ódio desnecessário, mas o principal deve ser a falta de conhecimento", opina Aoshi. "Eu já sofri um caso parecido na primeira temporada do CBLoL do ano passado, em uma partida contra a Kabum Black. Não me sinto muito bem, mas em geral não me afeta muito. Assim como eu me isolo de opiniões alheias em geral, eu também não me deixo afetar por esse tipo de coisa."

Equipe de League of Legends da CNB junto ao técnico Thiago "Djokovic" Maia. Reprodução: Facebook.

Obviamente nem todos os torcedores possuem essa postura. É justamente nesses momentos mais difíceis que os times percebem quem os apoia verdadeiramente, oferecendo palavras de conforto e ajudando a redimir um cenário que muitas vezes pode ser bem tóxico: "Ao mesmo tempo que recebemos muita crítica -- já que estamos passando pela fase mais difícil da CNB na história -- percebemos também o quão fiéis são alguns torcedores", analisa Cleber.

O diretor da CNB finaliza: "Pessoas que se preocupam mais do que poderíamos imaginar, que mandam mensagem privada dizendo que torceram e choraram com os resultados. É interessante ver pessoas falando que já tiveram infarto do coração, essas coisas típicas de fanáticos por futebol. Ao mesmo tempo que é uma fase ruim por trazer uma imagem negativa aos patrocinadores, tem também essa parte positiva que mostra o amor e como o público de esportes eletrônicos estão evoluindo para algo tão grande quanto o futebol."

Vale notar que racismo é um crime grave passível de multa e/ou detenção, segundo o Artigo 140 do Código Penal Brasileiro.


Barbara Gutierrez é repórter no IGN Brasil e apoia a luta contra qualquer tipo de preconceito. Siga-a no Twitter.

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