Política Eleições 2014

Ausência do programa de Dilma e atraso no de Aécio são criticados por especialistas

Na opinião de analistas, eleitor é prejudicado e debate fica em segundo plano

Miguel Rosseto, da coordenação da campanha de Dilma
Foto: O Globo / Ailton Freitas
Miguel Rosseto, da coordenação da campanha de Dilma Foto: O Globo / Ailton Freitas

BRASÍLIA E RIO — A menos de uma semana das eleições presidenciais, Dilma Rousseff (PT) não apresentou e nem pretende apresentar um programa de governo. O tucano Aécio Neves deixou apenas para esta semana a divulgação do documento, de forma fatiada. Apenas Marina Silva (PSB), entre os três principais candidatos à Presidência, apresentou, no fim de agosto, o programa completo. A ausência de um documento formal por parte de Dilma e o atraso de três semanas no caso de Aécio foram criticados pela maioria dos especialistas ouvidos pelo GLOBO. Eles defendem que um programa de governo, especialmente quando apresentado com tempo para ser analisado, dá mais segurança ao eleitor e permite debater e comparar as propostas dos candidatos, tornando a escolha mais sólida. O cientista político João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília (UnB), diz que o documento traz transparência ao debate:

— Dilma deveria ao menos apresentar as prioridades de um novo governo, não se limitar ao que fala na TV e ter um documento formal com os compromissos que pretende assumir. Esse é o esperado, pois dá mais credibilidade, transparência e legitimidade à candidatura. Como no Brasil a campanha tem sido decidida na mídia, em meio aos debates e aos programas eleitorais, gera um comodismo para os candidatos em relação a esse compromisso.

Cientista político, Malco Braga Camargos, da PUC de Minas Gerais, reforça que Dilma, por ter defendido durante a campanha que fará “mais mudanças” se reeleita, criou para si a obrigação de apresentar um programa que deixe claro que mudanças são essas.

— Em tese, Dilma não precisaria apresentar seu programa, porque já é a presidente, e sua gestão serve como diretriz. Mas, como ela tem falado em “mais mudanças”, deveria deixar claro ao eleitor que mudanças são essas. Não adianta divulgar ideias soltas na TV, tem que apresentar um documento formal para o eleitor mais interessado fazer comparações — aponta o professor.

Já para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Ranulfo, quem tem obrigação maior de detalhar um programa é a oposição:

— O candidato à reeleição diz que vai continuar o que está fazendo e melhorar isso e aquilo. Para Aécio é complicado não ter apresentado ainda. Ele diz: ‘Vou governar o Brasil como governei Minas’. Mas o Brasil é uma coisa, e Minas é outra.

Para evitar sofrer a análise minuciosa seguida de uma avalanche de críticas dos adversários a que foi submetido o documento apresentado por Marina, Aécio resolveu adotar um modelo diferente, fatiando o programa em eixos, nesta reta final de campanha. O candidato adotou o formato de discussão com eleitores a respeito de cada eixo em sessões de “Face to Face” com os internautas nas redes sociais.

Para Camargos, o formato escolhido por Aécio não é adequado para este momento, a menos de uma semana das eleições. Segundo o professor, o tucano deveria ter feito essa divulgação no início da campanha. Camargos defende a divulgação dos programas de governo como forma de tornar o voto mais racional, de olho nas propostas para o futuro, e menos emotivo:

— Esse formato poderia ser interessante se fosse durante o debate da construção da candidatura, não a uma semana das eleições. O processo de debate com a sociedade é para gerar mudanças. Agora, isso gera uma insegurança sobre quais ações serão tomadas pelo candidato. Sem o programa de governo, o eleitor fica impedido de discutir o futuro que o candidato planeja para ele e fica impedido de fazer comparações. A avaliação fica restrita ao passado e ao perfil do candidato, tornado o voto uma escolha menos racional.

O cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UnB), lembra que todos os candidatos cumpriram a exigência legal de protocolar um programa de governo no TSE, quando registraram suas candidaturas. Sobre o programa divulgado por Marina, diz:

— Se você detalha demais, cada detalhe gera uma polêmica. Marina quis ser minuciosa e se expôs por causa de um preciosismo. Poderia ter feito isso oralmente.

Caldas também ressalta que Dilma teria dificuldade em apresentar um documento detalhado devido à amplitude de sua coalizão:

— Ela tem uma coligação com partidos muito díspares. Tem o PT mas também tem o PRB, que é evangélico. Isso dificulta.

PROMESSAS PONTUAIS NA TV

Dilma tem feito sugestões pontuais em sua propaganda na TV, em atos públicos e em entrevistas, além de prometer a continuidade de programas e ações implementados em seu primeiro mandato. Na última sexta-feira, a candidata à reeleição anunciou medidas de combate à corrupção e à impunidade que seriam tomadas em eventual segundo mandato. Todas dependem de aprovação do Congresso ou negociação com o Poder Judiciário.

— Estamos com o Orçamento (da União) apresentado para 2015. Quer mais detalhe do que isso? — afirmou o ex-ministro Miguel Rossetto, que integra a coordenação da campanha de Dilma.

A presidente desistiu de divulgar um documento consolidado para evitar crises e cobranças. Pesou na decisão a experiência de sua adversária e também a necessidade de lipoaspirar o trabalho produzido por 29 grupos setoriais, formados por integrantes do PT, do próprio governo e de movimentos sociais. Tradicionalmente, as teses defendidas pelo PT são mais ousadas e mais à esquerda do que as do governo. Entre as áreas sensíveis estavam Previdência, pauta LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) e trabalhista.

De acordo com Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global, e o cientista político Antônio Carlos Alkmim, professor da PUC Rio, a divulgação dos programas de governo dos candidatos à Presidência é importante, mas não fundamental para que os eleitores façam sua escolha.

— Dilma, o candidato da situação, deveria apresentar o programa econômico para sinalizar ao mercado financeiro que mudanças aconteceriam em caso de reeleição. Essa ausência é um jogo no escuro e faz o mercado trabalhar com continuidade e com mudanças à margem. Mas, por outro lado, por conta da crise que vem em 2015, sabe-se que alguns ajustes terão que ser feitos e que talvez Dilma não queira se comprometer agora com certos temas, não queira divulgar o grau de intensidade dos ajustes.

Sobre os candidatos de oposição, Velho diz que “de certa forma ao longo da campanha foram sinalizando uma nova ordem econômica”:

— Para Aécio e Marina, que trazem o discurso da mudança, seria interessante que a divulgação tivesse sido feita claramente e mais cedo.

— Em tese, é importante que todos entreguem seus programas, mas não temos essa tradição no Brasil. Seria uma peça importante para o eleitorado, mas não é o que estabelece a diferença entre os candidatos — diz Alkmim: — Nesta eleição, Aécio veio divulgando o programa aos poucos, Marina divulgou e apareceram algumas contradições e Dilma não mostrou. Mas sabe-se que o governo do Aécio estaria ligado ao histórico do PSDB e que o de Dilma seria baseado no governo Lula e no dela. Programa de governo é item secundário para os candidatos, mas ao mesmo tempo é explorado pelas campanhas.

— Pessoas votam independente do programa ter sido divulgado ou não. No segundo turno, pode fazer diferença divulgar o programa e sinalizar de maneira clara sobre temas que têm dominado a campanha, como homofobia, aborto, desmatamento e agronegócio — diz Velho. (Colaborou: Carolina Benevides)