O fim e o começo do Brasil

Roraima pode ser o fim do País ou o começo: tudo depende do seu ponto de vista

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Por Felipe Mortara e BOA VISTA
Atualização:
Cachoeira do Paiva, na Serra do Tepequém 

É longe. Noutro hemisfério. Até o fuso horário é diferente. Sabemos pouco, muito menos do que deveríamos, sobre esse Estado. Eu imaginava que, por estar tão ao norte, veria muita floresta. E não vi. Pensava ainda que veria muitos índios. Mas também não vi. Porém, a bem da verdade, isso foi incrível: Roraima é daqueles lugares que vai além dos clichês.

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Os 2.500 quilômetros de distância em linha reta de Boa Vista a Brasília podem fazer você pensar que o Brasil termina em Roraima. Mas, para o roraimense, é ali que começa o País - mais precisamente, na Serra do Caburaí, 84 quilômetros ao norte do Cabo Orange, no Rio Oiapoque, no Amapá. Sob essa lógica, a expressão correta deveria ser "do Caburaí ao Chuí" para designar esse Brasilzão de meu Deus.

Tudo bem, algumas coisas são mesmo como você imagina: faz calor o ano todo. Numa madrugada de junho (verão por lá, já que estamos no Hemisfério Norte), os termômetros marcavam 27 graus às três da manhã - e dizem que em agosto é ainda pior.

Assim como em outros Estados da região Norte, Roraima também é regido por um grande rio que o corta. Mas, ao contrário do que a lógica supõe, o Rio Branco não foi batizado por sua tonalidade e muito menos por ser afluente do Rio Negro (a 580 quilômetros), mas em homenagem ao diplomata Barão do Rio Branco (1845- 1912).

O Rio Branco - o de nadar e navegar, não o barão - talvez seja o parâmetro mais claro para entender as duas estações que dão as caras nesse trecho tão particular do Brasil. Entre abril e setembro, o verão traz chuvas que enchem os rio e alagam os campos. Enquanto de outubro a março, no inverno, os temporais cessam e as águas baixam, formando lindas praias de rio, com um calor de fazer passarinho voar com uma asa e se abanar com a outra, como se diz por lá.

Mais da metade dos 224 mil quilômetros quadrados de Roraima, vale dizer, são compostos de rios e lagos. E se o leitor pensa que o restante é basicamente selva, está enganado. Há sim uma enorme área de floresta amazônica - entretanto, um tipo de relevo pouco falado no Sudeste domina o norte do Estado: o lavrado. Trata-se de uma região de savana (não, não é só na África que tem) de quase 70 mil quilômetros quadrados que compõe um ecossistema único, sem correspondente em outra parte do Brasil. Exatamente como Roraima.

Nossa tribo.

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Mas, afinal, quem são os 490 mil habitantes desta Roraima tão desconhecida? O Estado menos populoso do Brasil guarda traços indígenas, que se misturam a negros e europeus, caboclos e gente de todo o Brasil. Conheci pessoas da Bahia, do Rio Grande do Sul e de Brasília. Até mesmo a prefeita de Boa Vista, Teresa Surita, em seu quarto mandato, é paulista. Uma mistura tão retumbante que todo 27 de junho celebra-se o Dia do Mestiço, feriado estadual.

Por outro lado, a Funai estima que haja cerca de 55 mil índios vivendo em 10.381.926 hectares de terras demarcadas, o que representa 46% da área do Estado, fazendo de Roraima o segundo com maior população indígena, atrás apenas do Amazonas. Uma parcela pequena vive nas cidades. As etnias wapichana e macuxi são majoritárias entre as nove presentes no Estado.

É comum, aliás, pessoas nascidas em Roraima se apresentarem como macuxis (ainda que não sejam indígenas), como um sinônimo de roraimense. Também fica em Roraima - mas bem longe de Boa Vista - a terra dos ianomâmis e outras reservas cujos nomes ecoaram no noticiário nacional, como Raposa Serra do Sol. Conhecer aldeias indígenas, contudo, não é tarefa fácil, não apenas porque boa parte delas está distante de Boa Vista, mas principalmente porque seus moradores não estão interessados em receber visitantes e entrar na nossa lógica de fazer turismo.

Por isso mesmo, é bom ter em mente que visitar Roraima foge do trivial, do preestabelecido, do milimetricamente organizado. Depende muito do empenho e dos interesses de cada visitante. De trekking a pesca esportiva, de observação de pássaros a paraquedismo. Como você verá nas próximas páginas, as atrações naturais e as opções de atividades ao ar livre são inúmeras. Dá até para cruzar a fronteira e conhecer a vizinhança: Guiana inglesa e Venezuela. Mas para chegar - e aproveitar - o lugar onde o Brasil começa é preciso desafiar o senso comum. Eu achei que valeu a pena.

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