• Isabela Moreira
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Vanja Orico sendo levada pelos militares no Rio de Janeiro, em 1968 (Foto: Gervásio Batista/Arquivo Público de São Paulo)

Vanja Orico sendo levada pelos militares no Rio de Janeiro, em 1968 (Foto: Gervásio Batista/Arquivo Público de São Paulo)

Durante a votação do processo de impeachment da presidente Dilma Roussef, na Câmara dos Deputados, em abril, vários dos parlamentares aproveitaram seus breves momentos para fazer dedicatórias a familiares e amigos. Já o deputado Jair Bolsonaro (PSC - RJ), dedicou seu voto em memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra que, entre 1970 e 1974, foi chefe do Destacamento de Operações Internas (DOI - CODI), em São Paulo, onde ficavam presos e eram torturados opositores do regime. Em 2008, Ustra foi, inclusive, o primeiro militar a ser reconhecido como torturador pela Justiça brasileira.

Vale lembrar que a presidente Dilma, que é alvo do processo em questão, passou anos encarcerada e foi torturada durante a ditadura.

A fala de Bolsonaro despertou uma série de reações, inclusive do Conselho de Ética, que instaurou um processo disciplinar sobre o deputado, em junho. Mas a declaração também serviu de gatilho a muitas pessoas, que trouxeram à tona os horrores do regime militar que durou de 1964 a 1985 no Brasil. A página “As Mina da História”, por exemplo, criou uma campanha em que pede para que internautas substituam suas fotos de perfil no Facebook por imagens de mulheres que foram torturadas e mortas pela ditadura.

GALILEU fez uma matéria sobre a campanha descrita acima e recebeu uma enxurrada de críticas. 

comentários (Foto: Reprodução/Facebook)

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Teve quem tentasse justificar a ditadura e os crimes cometidos durante esse período:

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Diante alguns desses comentários, decidimos revisitar os relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV) do Brasil. Entre maio de 2012 e dezembro de 2014, foram ouvidas as vítimas da ditadura, os familiares de pessoas que desapareceram e foram mortas no período, comitês de memória, entidades de direitos, entre outras organizações, a respeito das violações do regime militar aos direitos humanos. 

Separamos alguns dados que ressaltam a gravidade das violações realizadas pelos militares durante a ditadura. Independente das afinidades partidárias, é sempre importante saber mais sobre os fatos antes de reproduzir discursos prontos - e ter empatia pelo outro, sempre. Leia abaixo:

1. Logo após a instauração do golpe militar no dia 1º de abril de 1964, foi registrada uma série de ocorrências. Entre elas, a prisão de mais de cinco mil pessoas, além de vários casos de civis que sofreram brutalidades e torturas por parte dos militares. Isso tudo só ao longo de abril, o primeiro de 240 meses de duração da ditadura.

2. Com o Ato Instucional nº 5 (AI - 5), a partir de 1968, foi suspensa a garantia do habeas corpus, mecanismo que ajudava a garantir a vida e, por vezes, liberdade, de presos do regime. O AI - 5 também foi o período de maior concentração de poderes do presidente. O ato dava ao líder político autorização para decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, que só voltariam a funcionar quando fossem convocados pelo presidente, que detinha então o poder para legislar em todas as matérias. 

3. Um levantamento produzido pelo cientista político Marcus Figueiredo mostra que, entre 1964 e 1973, 4841 pessoas foram punidas "com perda de direitos políticos, cassação de mandato, aposentadoria e demissão"; 513 políticos, entre eles, senadores, deputados e vereadores, tiveram seus mandatos cassados; 35 dirigentes sindicais perderam seus direitos políticos e 3783 funcionários públicos, entre eles 72 professores e 61 pesquisadores científicos, foram aposentados ou demitidos.

4. A tortura era utilizada por agentes do regime como meio de "dissuasão, de intimidação e disseminação do terror entre as forças de oposição". Em texto para GALILEU, Carlos Orsi aponta que "a tortura é um bom meio de produzir submissão e intimidação, mas uma pessoa submissa e intimidada não diz a verdade: diz o que o opressor quer ouvir. Como fonte de informações, a tortura é contraproducente, pouco confiável e muito inferior a outras técnicas de interrogatório". A afirmação é baseada em um artigo publicado no periódico Peace and Conflict: Journal of Peace Psychology em 2007. “A experiência de importantes interrogadores militares e anos de pesquisas atestam a eficácia das técnicas tradicionais de influência social no trabalho de inteligência; em contraste, a crença na eficácia da tortura deriva largamente de falsas premissas”, afirma a pesquisa. 

5. Vários dos relatos feitos à Comissão Nacional da Verdade revelam casos de violência sexual nos centros de tortura. De acordo com a CNV, "considerada a utilização desse tipo de violência como método tendente a anular a personalidade da vítima", esse tipo de abuso constitui uma forma de tortura. Na página "As Mina da História" é possível conhecer alguns casos em que mulheres foram torturadas sexualmente, clique aqui para saber mais sobre elas

6. Nos relatórios também consta trecho do depoimento da presidente Dilma Rousseff, que foi presa em 1970: "Eu me lembro de chegar na Operação Bandeirante, presa, no início de 1970. Era aquele negócio meio terreno baldio, não tinha nem muro, direito. Eu entrei no pátio da Operação Bandeirante e começaram a gritar: “Mata!”, “Tira a roupa”, “Terrorista”, “Filha da puta”, “Deve ter matado gente”. E lembro também perfeitamente que me botaram numa cela. Muito estranho. Uma porção de mulheres. Tinha uma menina grávida que perguntou meu nome. Eu dei meu nome verdadeiro. Ela disse: “Xi, você está ferrada”. Foi o meu primeiro contato com o esperar. A pior coisa que tem na tortura é esperar, esperar para apanhar. Eu senti ali que a barra era pesada. E foi. Também estou lembrando muito bem do chão do banheiro, do azulejo branco. Porque vai formando crosta de sangue, sujeira, você fica com um cheiro (...) O Albernaz batia e dava soco. Ele dava muito soco nas pessoas. Ele começava a te interrogar. Se não gostasse das respostas, ele te dava soco. Depois da plamatória, eu fui pro pau de arara."

É possível acessar os relatórios na íntegra no site da Comissão Nacional da Verdade. Em 2009, a pesquisadora Lisa Hajjar, da Universidade da Califórnia, publicou o estudo "Does Torture Work?" (Tortura funciona?, em tradução livre) no periódico Annual Review of Law and Social Science. "Nenhum regime ou sociedade moderna está mais seguro como resultado da tortura. Seu uso se espalha, seus danos se multiplicam", afirma a conclusão da pesquisa.