Relato: O trabalho em ciclo – uma vivência que vem dando certo

Autora: Gilne Gardesani Fernandez

O trabalho em ciclo: uma vivência que vem dando certo

Desde 2005, a Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMEIEF) Jardim das Maravilhas (hoje, EMEIEF Vereador Manoel de Oliveira), no bairro de mesmo nome do município de Santo André, tem vivenciado experiências interessantes, no tocante ao trabalho com os alunos organizados em ciclos.

Este trabalho vem sendo aprimorado a cada ano, sendo a articulista a responsável pelo seu desenvolvimento e organização.

Cada ciclo, em cada escola ou período, é organizado de maneiras diferenciadas, de acordo com as vivências dos grupos de professores, das necessidades dos alunos e das particularidades de cada escola, orientados pela diretora, assistente pedagógica e pelo Projeto Político Pedagógico da escola, elaborado e constantemente avaliado de forma coletiva.

Um dos trabalhos, que vem dando certo e tem mostrado excelente resultado em termos do rendimento dos alunos e ampla aceitação por parte da população envolvida com a escola, é desenvolvido no 2o Ciclo do Ensino Fundamental do período da manhã da referida escola.

O processo pedagógico se dá por projetos interdisciplinares, dos quais todos os alunos participam. Os conteúdos são colocados como meio para desenvolver habilidades e competências em uma forma contextualizada, privilegiando a construção de conceitos teóricos e práticos aplicáveis ao cotidiano dos alunos.

Atualmente são 57 alunos organizados em grupos distintos, de acordo com diagnósticos realizados periodicamente através de atividades específicas para esse fim e pelo desenvolvimento demonstrado na realização das propostas durante os projetos.

A equipe do ciclo é formada por três professoras (entre estas a articulista) e o professor de Educação Física.

Os projetos desenvolvidos são três e foram elaborados pela equipe, sendo cada uma das professoras responsável por um deles.

Para os projetos, os alunos são divididos em dois grupos bem heterogêneos, de tal forma que possa haver o máximo de troca de conhecimentos entre os alunos. São realizados muitos trabalhos em grupos (vide quadro 1).

Dado seu caráter interdisciplinar, a diversidade embutida nos projetos é bastante proveitosa enquanto, ao mesmo tempo, é respeitada a individualidade.

A rotina diária sempre inicia com a “Roda da leitura”, que não está vinculada a nenhum projeto ou trabalho. O objetivo é estimular o gosto pela leitura.

Outro momento muito importante é o de Jogos e Desafios, onde desenvolvem diversos conteúdos de forma lúdica, privilegiando atividades de reflexão e raciocínio.

Em algumas atividades os alunos podem beneficiar-se da troca de experiências e em outras poderão estar num grupo mais homogêneo, de tal forma que cada dificuldade a ser transposta pelo aluno possa ser trabalhada sem prejudicar sua auto-estima.

As dificuldades específicas de cada aluno são trabalhadas em momentos denominados “grupos de estudos de Língua Portuguesa” e “grupos móveis de matemática”, uma vez por semana cada um. Os alunos são distribuídos em três grupos mais homogêneos e acompanhados individualmente, se for o caso. A cada mês, aproximadamente, esses grupos são revistos de acordo com a proposta a ser desenvolvida.

Quadro 1

2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira
08h00 Roda de Leitura
08h30 Projetos: 

Nosso Mundo (TA1) e Corpo e saúde (TA2)

Projetos: 

Convivendo Bem (TA2) e Corpo e saúde (TA1)

Projetos: 

Convivendo Bem (TA1) e Nosso mundo (TA2)

Grupos Estudos Língua Portuguesa e Biblioteca* 

(Turmas C1, C2 e C3)

Grupos Móveis de Matemática 

(Turmas D1, D2 e D3)

10h20 MERENDA
10h40 RECREIO
11h00 Jogos e Desafios 

(Turmas A1 e A2)

Grupos Iniciais ou Assembléia do Ciclo 

Projeto TIM*

Artes(TB2) Informática(TB1) Ed. Física (TB3) Artes (TB3) Informática(TB2) Ed. Física (TB1) Artes (TB1) Informática(TB3) Ed. Física(TB2)
*Obs.: O Projeto TIM e o empréstimo de livros da biblioteca acontecem quinzenalmente. As aulas de Educação Física estão sendo desenvolvidas em sintonia com o projeto Corpo e Saúde.

A cada quinzena os alunos gozam de uma hora destinada à organização de materiais, auto-avaliação ou assembléia do ciclo, nos grupos iniciais (aqueles do início do ano).

Nos momentos de auto-avaliação, cada um coloca suas críticas, sugestões, idéias, opiniões e reflete sobre o seu próprio desenvolvimento e participação. Todas as expressões dos alunos são levadas em consideração pelas professoras, que realizam devolutivas ao grupo a cada processo de avaliação.

As assembléias contam com a participação de todos para a discussão de assuntos de interesse geral, como: regras de convivência, eleição de representantes, reorganização dos grupos e outros.

O critério para a formação dos grupos de Artes, Informática e Educação Física foi o da socialização. Os próprios alunos escolheram os grupos através de uma dinâmica específica, em assembléia geral do ciclo.

Cada aluno recebeu um horário individual para situar-se em sua rotina diária, além de outras instruções. São os alunos que trocam de sala, de acordo com o projeto do qual deverão participar naquele horário, como no exemplo apresentado nos quadros 2 e 3.

Quadro 2

Dia/hora 8h 8h30’ 10h20’ 10h40’ 11h
 

2a feira

O

D

A

D

A

L

E

I

T

U

R

A

Projetos: 

Nosso Mundo (    )

Corpo e saúde (    )

E

R

E

N

D

A

E

C

R

E

I

O

Jogos e desafios 

Sala: ____

 

3a feira

Projetos: 

Convivendo Bem (    )

Corpo e saúde (    )

Grupo inicial (organização/auto-avaliação) ou Assembléia geral do ciclo
 

4a feira

Projetos: 

Nosso Mundo (    )

Convivendo Bem (    )

(    ) Artes 

(    ) Educação          Física

(    ) Informática

 

5a feira

(biblioteca)

Grupo de estudos 

Profa _________

(    ) Artes 

(    ) Educação          Física

(    ) Informática

 

6a feira

Grupo móvel 

Profa _________

(    ) Artes 

(    ) Educação          Física

(    ) Informática

As tarefas de casa são determinadas como parte do processo e sempre retomadas ou utilizadas em outras atividades de classe, acrescentando e enriquecendo as informações trabalhadas.

O trabalho em equipes é constantemente incentivado e desenvolvido, buscando a troca de saberes, a organização e divisão de tarefas, o respeito ao pensamento e opiniões alheias, o aprimoramento da argumentação e a resolução de problemas e conflitos pelo exercício da negociação e do consenso.

A avaliação dos alunos é qualitativa, processual e diagnóstica, apontando dificuldades e possibilitando intervenções especificas. Não são utilizadas notas ou conceitos, mas um relatório inicial e outros trimestrais, que apontam avanços e dificuldades de cada um, relacionados aos objetivos destacados para o período.

As professoras envolvidas no trabalho ora abordado reúnem-se em conselhos de ciclo, sem periodicidade pré-determinada, mas ocorrendo conforme as necessidades de reavaliação dos grupos, para que se façam as alterações de acordo com o desenvolvimento individual dos alunos, assim como ao final de cada projeto, para reavaliar os critérios de agrupamento no projeto seguinte. Esse conselho tem caráter distinto dos antigos “conselhos de classe”, nos quais a equipe focalizava sua atenção sobre alunos rotulados como “problemas”. Além dos assuntos já citados, estão entre os temas do conselho reformular e avaliar estratégias para ressignificar as práticas, em prol do desenvolvimento contínuo de todos os alunos, inclusive dos que apresentam dificuldades maiores ou necessidades especiais, buscando formas alternativas de intervenção. Também é um momento de auto-avaliação das professoras, para que reflitam sobre sua prática como facilitadoras da aprendizagem.

Os registros diários das práticas realizadas em sala de aula são objetos de constante análise, pois dão consistência e subsídios à avaliação de todo o processo e desenvolvimento dos alunos.

Breve histórico

Nos meses iniciais, as professoras desenvolveram trabalhos voltados ao diagnós­tico dos conhecimentos, habilidades, preferências, autonomia e socialização dos alunos, além de ambientar a turma com esta nova forma de organização a qual, uma parte da turma, não estava acostumada.

Durante esse período, com os dados diagnósticos obtidos foram elaborados os projetos e desenvolvida a organização para a realização do trabalho.

No início, os alunos mostram-se um pouco confusos com os horários e com a própria proposta do trabalho, a qual não se baseia na divisão por disciplinas, como estavam habituados. Já haviam experimentado alguns trabalhos com projetos, mas estes se assentavam sobre uma determinada área do conhecimento. A compreensão do que seja a interdisciplinariedade é construída progressivamente, através das novas vivências.

Outros projetos já estão sendo idealizados e discutidos para substituir aqueles que terminarão cada um ao seu tempo.

A auto-avaliação e o interesse dos alunos demonstram envolvimento com o trabalho. O que se observa é um crescimento progressivo em cada indivíduo que participa deste processo.

Os pais

Toda mudança é de difícil absorção, principalmente quando rompe com idéias arraigadas como as da escola tradicional, organizada por disciplinas e pautada em conteúdos tomados como fim e não como meio.

Os pais dos alunos sempre manifestam insegurança e medo de que seus filhos possam não aprender o necessário para enfrentar a próxima etapa do Ensino Fundamental em outras escolas, uma vez que a rede municipal de ensino de Santo André não oferece este serviço.

A compreensão e a conquista da confiança vão acontecendo pouco a pouco. Na primeira reunião de pais, os projetos e a organização do trabalho são apresentados e discutidos. As professoras respondem, na medida do possível, aos questionamentos dos pais, procurando esclarecer sobre o processo pedagógico, apresentando-lhes as vantagens do trabalho em desenvolver habilidades e competências, para que os alunos possam exercitar a cidadania e refletir criticamente sobre sua realidade, tornando-se capazes de buscar soluções criativas para interferir e transformar essa realidade.

Na segunda reunião será realizada uma avaliação com os pais, além da apresentação e discussão sobre o desenvolvimento dos alunos.

O que se pôde observar, nos anos anteriores, foi uma maior segurança quanto ao que esperam que seus filhos aprendam no que se refere aos conteúdos. Começam a demonstrar compreensão da importância do trabalho interdisciplinar e contextualizado, baseado na construção e reflexão sobre os conhecimentos.

A conquista dessa confiança é lenta e deve ser cultivada diariamente, gerando resultados positivos e gratificantes.

3 Responses to Relato: O trabalho em ciclo – uma vivência que vem dando certo

  1. São trabalhos assim que possibilitam uma educação pública de qualidade.
    Abraços,
    Débora Martins

  2. Com certeza, Débora. Excelente relato e uma grande colaboração para professores interessados na Aprendizagem Baseada em Projetos.

  3. Debora Noemi Inouye says:

    Multidisciplinaridade, flexibilidade, colaboração e foco nas necessidades individuais de cada aluno. Gostaria de parabenizar a escola e a articulista desta proposta, pelo excelente trabalho que esta sendo desenvolvido.

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