janeiro 19, 2014

A crítica irônica de Augusto Monterroso ao relativismo cognitivo

Quando a realidade se transforma, nas mãos de certo estudioso cínico, num mero texto que pode ser desconstruído, quando querem nos fazer acreditar que a realidade objetiva deve ser continuamente colocada sob suspeita e apenas decodificada ao sabor dos nossos interesses ou intenções pessoais, temos certeza de que penetramos no centro da desonestidade intelectual.

É o que Augusto Monterroso – escritor hondurenho de nascimento, mas que adotou a Guatemala como pátria – denuncia, com seu sarcasmo peculiar, na breve narrativa a seguir. Divirtam-se.

O Coelho e o Leão

Um célebre Psicanalista encontrou-se certo dia no meio da selva, semiperdido.

Com a força que dão o instinto e o desejo de investigação, conseguiu facilmente subir numa árvore altíssima, da qual pôde observar à vontade não apenas o lento pôr do sol mas também a vida e os costumes de alguns animais, que comparou algumas vezes com os dos humanos.

Ao cair da tarde viu aparecer, por um lado, o Coelho; por outro, o Leão.

A princípio não aconteceu nada digno de mencionar, mas pouco depois ambos os animais sentiram as respectivas presenças e, quando toparam um com o outro, cada qual reagiu como desde que o homem é homem.

O Leão estremeceu a selva com seus rugidos, sacudiu majestosamente a juba como era seu costume e feriu o ar com suas garras enormes; por seu lado, o Coelho respirou com mais rapidez, olhou um instante nos olhos do Leão, deu meia-volta e se afastou correndo.

De volta à cidade, o célebre Psicanalista publicou cum laude seu famoso tratado em que demonstra que o Leão é o animal mais infantil e covarde da Selva, e o Coelho, o mais valente e maduro: o Leão ruge e faz gestos e ameaça o universo movido pelo medo; o Coelho percebe isso, conhece sua própria força, e se retira antes de perder a paciência e acabar com aquele ser extravagante e fora de si, a quem ele compreende e que afinal não lhe fez nada.

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